UMA LIÇÃO EM FORMA DE PONTAPÉ
Por JMMAHá dias, numa crónica do DN, vi recordado de uma forma superiormente inteligente, o famoso pontapé que Cantona deu a um adepto que o insultou. «Faz hoje 15 anos que um grande jogador de futebol reconheceu em mim um igual», dizia o articulista (Fernandes Ferreira). Cantona acabava de ser expulso, num jogo do seu Manchester United contra o Crystal Palace. Descera a gola alta com que habitualmente jogava, símbolo da sua entrega ao jogo, e foi com gola de cidadão comum que regressava ao balneário. Foi então, a dois passos, que um rapazola o insultou, julgando-se protegido pela contenção que manieta as vedetas. "Volta para França, mais a puta da tua mãe."
Há pessoas assim: fãs, adeptos, gente oportunista, e até stewards, que se valem da sua inferioridade para dizer tudo aos famosos porque eles estão açaimados pelo dever profissional… Estou a lembrar-me de Nereida, que, numa espera premeditada a Cristiano Ronaldo à saída duma discoteca em Maiorca, no Verão passado, se fez fotografar, num gesto obsceno, a chamar maricas ao craque do Real Madrid. Ronaldo sai de cena de cabeça baixa como se não fosse nada com ele, mas se naquele instante tivesse enfiado uma patada na socialite despeitada, quem não o compreenderia?
Foi o que fez Cantona. Voou para o cobarde. «E – continua o articulista – com aquele pontapé soberbo ele disse que não me desprezava, tinha-me por responsável pelo que eu dizia.» Custou-lhe a condenação em tribunal com uma pena de duas semanas de prisão efectiva (note-se como estas coisas em Inglaterra não se ficam pela Comissão Disciplinar da Liga…), além de nove meses de suspensão pela federação inglesa. Pois custou… Mas, para a História, não ficou ninguém a passar culpas para a organizador do jogo, nem para a insídia das imagens, nem para ao clube adversário, e muito menos quem se esmifrasse em argumentos especiosos a amesquinhar as decisões da justiça, ou a subestimar a gravidade do acto.
Igual dignidade teve Zinedine Zidane ao enfiar uma cabeçada no peito de Marco Materazzi, ao que se diz, por este lhe ter difamado a irmã. Valeu-lhe a expulsão no jogo da final do Campeonato do Mundo de 2006, por azar dos azares o último jogo oficial duma brilhante carreira. Reprovável? Sem dúvida. Mas alguém deixou de o respeitar por isso? E no entanto, em circunstância alguma vimos Zidane a furtar-se ou alguém a tentar furtá-lo às suas responsabilidades.
Comparar estes exemplos com as tentativas despudoradas de desculpabilização dos prevaricadores no caso do túnel do Benfica – Porto, confesso que até me dá pena. O que faz a clubite! Uma pessoa é aparentemente normal, com um discurso fluente e articulado, sensato e justo, quando a conversa muda para a bola os estores do seu pensamento fecham-se completamente. Nos casos mais graves, como é o de MST a defender o indefensável mau perder dos portistas na Luz, essa pessoa aparentemente normal pode mesmo pingar baba pelos cantos da boca. Deita pela borda fora todas as aquisições da inteligência nos últimos três mil anos: a lógica, o bom-senso, a razão, a ética – e de certa forma é como se regressasse às cavernas. E depois há sempre quem aplauda. Não é estranho?
Cantona e Zidane erraram, assumiram a responsabilidade dos seus actos, pagaram por eles. Nada de subterfúgios, nada de chicanas, nem discursos passa-culpas. Por isso, amigos portistas: acho bem que defendam a dignidade dos vossos atletas. Que condenem os insultos, se os houve. Que procurem compreender a razão dos seus actos. Mas não os desculpabilizem. Assumam as responsabilidades inteiras. Até para, na próxima (infelizmente nestas coisas há sempre uma próxima), melhor as poderem exigir aos outros. É mais inteligente e digno.
Ainda relativamente ao caso de Inglaterra, ainda antes da CD da Liga lá do sítio ter suspendido Cantona, o próprio clube (Man United) suspendeu-o imediatamente.
ResponderEliminarPequeninas, pequeninas diferenças...
Excelente artigo, muito bem escrito!
ResponderEliminarEis diferença entre quem sabe e quem tenta.
Desde que aqui deixo os meus comentários (e agradeço o facto de manterem um espaço activo, onde tal é possível), não há muito tempo a esta parte, em momento algum me pronuciei no sentido da desresposanbilização de quem agrediu. Admito que muitos o façam, mas eu percorro o meu próprio caminho, aquele que me dita a minha consciência, aquele em que baseio os meus princípios.
De igual modo, nunca me pronunciei no sentido da desresponsabilização/desculpabilização daqueles que, de forma concertada (a meu ver, face aos imensos sinais disponíveis), contribuiram em larga medida para o que que veio a suceder.
Uma vez mais, compreendo que muitos o não façam.
Ora, é aqui que se coloca a questão.
Porque a minha opinião relativamente aos agressores é a que acima exponho, sinto-me autorizado a não ter que atender a reprimendas e apelos ao bom-senso, venham estes de onde vierem.
Gostava de olhar em redor, e notar esta mesma legitimação em todos os que falam sobre esta matéria.
Digamos que o meu olhar 'azul' não me cega, não me condiciona, nem orienta o meu pensamento, em assuntos desta índole.
Se, como tudo leva a crer, os jogadores agrediram, pois que sejam castigados.
Sejam-no, porém, e de facto, porque 'longa se torna a demora'.
Já qui disse, em anterior comentário, que na minha opinião NADA legítima a violência.
Não os desculpabilizo/desresponsabilizo pois, pelos actos cometidos.
Permitam-me, todavia, um raciocínio (sem qualquer tipo de falácia, creiam-me, como todos este meu texto vem - estou certo - comprovando):
Se atendermos à história, são escassas, senão mesmo raras, situações como aquela que se verificou com o grande 'Cantona'. Digamos que os jogadores (eu próprio fui atleta de competição colectiva) estão habituados a ser incessantemente insultados pelo público, nos recintos dos adversários.
Daí a surpresa que o facto então constituiu.
De igual modo estão os jogadores habituados ao insulto por parte de atletas adversários, algumas das vezes até amigos e colegas de selecção. Uma vez mais, foi surpreendente que um atleta de eleição e experimentado, tivesse reagido como reagiu o grande 'Zidane'.
O que me parece novo, é que os jogadores têm agora de se habituar (e aceitar), insultos e provocações de quem, em primeira análise, se encontra no recinto para proteger o espectáculo e os próprios jogadores.
Reitero que não desculpabilizo/desresponsabilizo os jogadores.
Apenas constato uma evidência.
E, já agora, que dizer de um clube que, observada e constatada a agressão gratuita (porque sem insulto ou provocação prévia que se note)de um seu jogador a um adversário, não o suspende imediatamente e reage à proposta 'leve' de castigo da CD, com um recurso ?!
Recuperando as palavras de 'Fernandes Ferreira' no artigo:
"Que procurem compreender a razão dos seus actos. Mas não os desculpabilizem. Assumam as responsabilidades inteiras. Até para, na próxima (infelizmente nestas coisas há sempre uma próxima), melhor as poderem exigir aos outros. É mais inteligente e digno."
Meu caro JCR, vejo que compreendeu o meu apelo à recentragem da discussão em torno do malfadado caso, e isso congratula-me bastante.
ResponderEliminarDepois desta observação, apenas uma nota: as palavras citadas no seu último parágrafo, não são de Fernandes Ferreira (excelente jornalista do DN) mas (apenas!) deste humilde colaborador do Footbicancas - o JMMA.
Isso, porém, nada tem a ver com a qualidade da sua análise. Obrigado.