Por Laurinha O’Doe
MEMÓRIAS DUMA GUEIXA
Durante estes dias em que não se tem ouvido falar doutra coisa senão da crise… tenho andado muito deprimida. Cada vez que oiço falar em «tsunami financeiro» vem-me logo à cabeça a cena do pequeno Martunis, o menino indonésio encontrado na praia de Aceh com a camisola das quinas. E tal como ele, só me vejo a ser acolhida no seio da Selecção, de preferência à noite, nalgum dos aposentos reservados ao estágio dos craques.
Cheios de ciência, tal qual o professor doutor Queiroz, os peritos financeiros fazem-nos crer que não há motivos para alarme, que apesar dos descalabros dinamarquês e sueco, tudo vai pelo melhor e no melhor dos mundos. A opinião deles – altamente científica, tal qual a do professor Queiroz – vale o que vale e, a avaliar pelos afundanços que tem havido (até com a Albânia!), não deve valer grande coisa. Mas acreditemos que sim, que daqui em diante é que vai ser.
Por isso é que eu, com a crise que por aí vai, não imagino situação mais acolhedora do que partilhar o lugar secreto onde os príncipes da nossa Selecção desfrutam os prazeres do estágio. Não sei porquê, esta crise faz-me recuar aos tempos antigos dos seleccionadores de bigode, e imaginar o que a malta desfrutava quando a palavra ‘fruta’ ainda nem sequer tinha sido inventada.
Aconteceu comigo. Numa daquelas noites em que eu estava em casa sem ter nada que fazer recebi um telefonema do meu amigo médio-centro, grande fã de lap dance. «Tu és uma artista, Laurinha, és espectacular, porque não vens até cá?». Chegada ao hotel onde decorria o estágio, como quem não quer a coisa, fingi observar atentamente a exposição de pintura vanguardista que ali se apresentava. Mentiria se dissesse que não aprecio a vanguarda. Aprecio. Mas de quando em vez também não rejeito uma boa retaguarda.
Eis senão quando se aproximou um senhor, o treinador dos guarda-redes, como depois vim a saber: «Levo-te à festa». Quando o ascensor parou, estava numa luxuosa suite, rodeada de uma multidão de sátiros em fato de treino cheios de vontade que lhes acontecesse alguma coisa. Daí para a frente foi tudo muito rápido. Às vezes uma pessoa esquece-se que é uma sex-bomb e de que, perante uma bomba como eu, certos craques esquecem as boas maneiras, especialmente se escaparam à vigilância do mister e o simples cheiro a berbigão os faz perder a pouca compostura que tinham.
Como não sou mórbida, e além disso não era a primeira vez que me violavam, não tenciono contar tudo com todos os efes e erres. Só quero dizer que quando acordei estava no chão, com o vestido feito num farrapo, como se fosse uma cantora punk. Junto a mim o defesa-direito, furioso porque não tinha gozado, beliscava-me os peitos como que para se certificar de que eram autênticos. Não dei um grito porque não sou assim tão tonta, mas fiz mentalmente as típicas perguntas «onde estou», «que faço aqui», etc. De tanto rir, o ponta-de-lança caiu no chão e, erguendo o copo já vazio à glória no campeonato, (desculpem, mas é o termo) peidava-se como um canhão!
Em resumo, preferia que as coisas tivessem acontecido de forma civilizada. Incomoda-me que a vida real seja como nas fitas porno. Mas entendi os rapazes. Não entendo é por que albanesas razões me veio isto agora à memória.