segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Toques de Cabeça



O BURRO SOU EU
Por JMMA

Um dia sonhei ser jogador de futebol. Um dia todos os miúdos que eu conhecia desejavam ser jogadores de futebol. Trabalhávamos para esse ideal horas e horas a fio, na rua ou no pátio da escola, a correr atrás de uma bola, a rematar à Eusébio, a defender à Costa Pereira, a cabecear à Torres, a centrar à Simões. Não havia nada, nenhum programa de televisão, nenhuma aventura, muito menos qualquer “T.P.C.” (trabalho para casa) que nos mobilizasse tanto, em que fôssemos tão sérios, quase profissionais. Na escola, à hora do recreio, corríamos das salas de aula para o pátio para jogar. Depois da escola corríamos para o “nosso campo”, um baldio atrás das nossas casas, para jogar mais.

Provavelmente, todos os portugueses pós Benfica europeu sonharam um dia ser jogadores de futebol. Mas agora, quando leio ou ouço alguns cronistas de futebol em Portugal – os chamados fazedores de opinião do indígena mundo da bola –, chego quase sempre a uma conclusão: Estes gajos percebem de futebol à brava, mas eu não percebo um caneco do que eles querem dizer. Aquilo são bissetrizes, expressões táctico-aritméticas, definições de espaços e losângulos para todos os gostos, transições para trás e para a frente. Mas o melhor são as metáforas e as citações. Cronista de bola à séria tem que usar pelo menos duas metáforas em cada parágrafo. Além de uma citação, que tanto pode ser de George Orwell como de Umberto Eco, ou de ambos.

Talvez os miúdos da escola continuem ainda a suspirar pelos intervalos das aulas para dar uns toques. Mas suspeito que este tipo de comportamento corre o risco de mudar num futuro próximo. Coitados dos miúdos, se ousarem seguir com atenção as análises científicas de alguns cronistas de serviço que por aí há receio bem que já tenham até alguma dificuldade em perceber o próprio jogo. A mesma coisa se observarem o ar sério, próprio de quem trata de problemas ao nível da física nuclear, que o CR9 (marca registada) faz quando se prepara para pontapear a bola. Ou se olharem para a cara crispada do Jorge Jesus a congeminar tácticas e a gesticular para dentro do campo.

Não, a ideia de que jogar à bola é uma coisa assim a modos que lúdica já não tem o mínimo sentido. Acho que acabou com o Ronaldinho Gaucho sempre a rir com os seus dentes de Bugs Bunny. Os senhores cronistas não brincam em serviço, aquilo é mesmo científico. Complicado, denso, chato, só ao alcance de algumas mentes privilegiadas.

O meu receio é este. Querem ver que um dia destes a miudagem leva os tempos de intervalo a suspirar pelo toque da campainha, para que termine o jogo, desejosos que recomecem as aulas de Matemática, Física, Química! Para poderem descansar o cérebro, evidentemente.

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