quarta-feira, 21 de abril de 2010

Toques de Cabeça

RECORDANDO ABRIL (I)
Por JMMA


O 25 de Abril vem aí e não faltarão balanços e evocações. Que serão, talvez, discretos. O número é pouco dado a celebração: 36 anos não fazem uma efeméride atraente. Não creio que, com a economia a correr mal e a sociedade em expectativa, alguém pense em grandes festas. Os tempos não estão para comemorações em massa, mas sim para reflexão individual. Talvez por isso, dei comigo, esta semana, a passar em revista as três décadas de democracia, olhando em particular para a evolução do futebol.

Quando se deu o 25 de Abril era eu um tenro estudante e ainda me levava a sério. Havia o desporto escolar, que era controlado pela organização da juventude do regime, a Mocidade Portuguesa, mas o seu raio de acção era curto , pois a escolaridade era baixa. Por conseguinte, a prática desportiva resumia-se às competições federadas e em todo o país (vim a saber mais tarde) não havia mais de 130 mil praticantes distribuídos por 39 modalidades.

A imprensa estava enfeudada ao regime. Três jornais desportivos (Bola, Record e Mundo Desportivo) saíam três vezes por semana e o único canal de televisão existente (estatal e a preto e branco) dedicava meia-hora ao desporto, à segunda-feira, e dois blocos informativos ao domingo: 10 minutos, à tarde, e meia hora, à noite - quase inteiramente preenchidos com futebol. Mesmo assim, o que hoje consideraríamos incrivelmente irrisório, era considerado naquela altura um enfoque excessivo concedido ao futebol, valendo-lhe, por isso, o anátema de «o ópio do povo». Daí a história dos três «f». Associado ao fado e a Fátima, o futebol era um dos cavalos de batalha dos críticos, que acusavam o regime de se servir desses três «f» para desviar os portugueses da política e das questões essenciais do País.

Pode agora parecer bizarro, mas o nome de qualquer dirigente desportivo tinha de ser autorizado pelos serviços do governo antes de tomar posse, e figuras proeminentes do regime controlavam o dirigismo. Ainda assim, os clubes eram dos poucos espaços onde ainda havia alguns laivos de liberdade: os sócios elegiam directamente os dirigentes (desde que aceites pelo governo, claro está) e lutavam por causas comuns, ao contrário do que existia na restante sociedade.

De baixo do guarda-chuva dos clubes e do futebol desenvolviam-se também as outras modalidades. O ciclismo tivera os seus tempos heróicos. Mas a modalidade nacional por excelência era o hóquei em patins, somando vitórias em mundiais e europeus e alimentando a grande rivalidade com a Espanha.

Quando se dá o 25 de Abril faltam três jornadas para o final do campeonato. O Sporting tem mais um ponto que o Benfica, mais dois que o Setúbal e mais três que o Futebol Clube do Porto. E mantém o avanço até final. São muitos os milhares de apoiantes sportinguistas que, nesse ano, festejam em Alvalade o título de campeão nacional. Mas muitos outros milhares terão estado na mesma altura em manifestações, comícios, reuniões de esclarecimento, plenários sindicais, a viver os primeiros dias de liberdade.

Aqueles tempos são de mobilização política, que afasta gente dos clubes e das bancadas. A revolução destrói importantes apoios do futebol. As nacionalizações que se seguem põem em causa muito do seu suporte económico. A descolonização seca os viveiros africanos de grandes futebolistas, bem como de outros atletas que rumavam das colónias para a metrópole. O país defronta-se com sérios problemas e aplica energias e todo o dinheiro que pode arranjar no saneamento básico, estradas, reformas, pensões e melhorias salariais. Sem dinheiro e sem recurso às colónias, o futebol português começa a ser alvo de importantes alterações estruturais. Por via delas, e pela mão dos novos protagonistas que entretanto emergem, os dois grandes clubes de Lisboa, Benfica e Sporting, irão ver, a breve trecho, sua hegemonia sucessivamente enfraquecida.

(Mas isso já são cenas do próximo capítulo.)

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