quinta-feira, 17 de maio de 2007

Colunista Convidado Residente, por JMMA


FADO, FUTEBOL E FÁTIMA

Confesso que sou mais ou menos agnóstico, torço pelo Benfica mas não sou sócio e não vibro especialmente com fado. Mas reparo que em Portugal, às vezes até parece que a tradição ainda é o que era. O que não falta por aí é «fado, futebol e Fátima», a lembrar a trilogia lusitana do defunto «Estado Novo».

Como sempre, este fim-de-semana foi futebol a esbarrondar por todo o lado, até à agonia. Porém, como se não bastasse, o grande acontecimento deu-se na Cova de Iria. Mais de meio milhão de portugueses e, dizem as gazetas, peregrinos de 32 países, assinalaram em Fátima os 90 anos das polémicas aparições de 1917.

Fé e peregrinos, cá para mim, têm muito a ver com futebol e adeptos. Do imobiliário à venda de santinhos, Fátima é um centro de atracção de crentes, mas também de muitos euros. Bem parecido, de facto, com aquilo que se passa à volta dos clubes de futebol, da sua iconografia mística (camisolas, bolas e bugigangas), dos seus “peregrinos” (os adeptos) ou dos seus “santuários” (os estádios). Com a diferença de que enquanto as catedrais da bola muitas vezes estão às moscas, Fátima acolhe quatro milhões por ano. E não são precisos campeonatos europeus nem cambalachos camarários para construir novos palcos. A próxima inauguração de uma gigantesca basílica, com capacidade para nove mil pessoas (ao que se noticiou, paga a pronto!) dá noção da força mobilizadora da fé.

Devo dizer, porém, que os cenários da minha crença, tanto divina como clubística, se combinam mal com multidões arrebatadas. Atrai-me mais a paz de um templo em silêncio. Compreendo melhor a razão, ainda que subjectiva, do adepto. E detesto tudo o que seja apelos ao Deus vingador ou cegueiras de devotos de claque. Sempre me pareceu, aliás, que os jogadores e os técnicos, tal como os santos, devem estar no seu lugar, nem no altar nem nos Infernos. Quanto aos dirigentes tenho as minhas dúvidas.

Penso, também, que neste paralelismo entre fé e pontapé, devia haver uma hagiologia do futebol. Quer dizer, devíamos ter dias santos para celebrar as grandes datas do palmarés dos nossos clubes. Um feriado em que pudéssemos celebrar o Santo Penálti, outro para o providencial Fora-de-Jogo, outro talvez dedicado ao Sagrado Coração da Barra, etc. E se eu tivesse voto na matéria, garanto que faria todos os possíveis para mudar a data do feriado de 1/Novembro. Como benfiquista convicto dos méritos do meu treinador, só vejo mau agoiro na actual coincidência entre o dia de Santos e o dia de «finados».

Já no caso dos portistas acho, sinceramente, que face aos sucessos afortunados em Paços de Ferreira, lhes assistem agora razões de sobra para dedicarem um dia de feriado distrital com festa rija em memória de São Tropeção. Tropeçar o pé cambaleante na bola trapalhona e levar esta a esgueirar-se reumaticamente para a baliza adversária, evitando assim ‘in extremis’ a consumação do naufrágio – só mesmo milagre do 13 de Maio. Merece celebração.

Quanto ao mais, foi o fado. O fado que por uma hora (até se dar o milagre), envolveu a ‘afición’ em prazeres e angústias. Fado castiço, magistralmente interpretado por Antunes Marceneiro, artista da capital do móvel; e fado coimbrão, em gorjeios de tuna com um pé na queima das fitas. Fado, também este jeito, tão nosso, de deixar tudo para o fim – o IRS, o título, a UEFA e as despromoções. Quer dizer, para a última jornada. Chamar-lhe-ia o fado dos possíveis.

Mesmo sem gostar de fado, mesmo sabendo que o mais provável é vira-o-disco e toca-o-mesmo, diverte-me este fado.

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