A MINHA CARTA (ATRASADA) PARA O PAI NATAL
O Natal já lá vai. Mas a um fiel admirador como eu, o atraso ou a pontualidade não fazem qualquer diferença nos bondosos sentimentos do Pai Natal. Fiel admirador – disse – mas também fã desde pequenino. Ao contrário do celebrado guarda-redes portista que, afinal, começou por ser benfiquista, eu não: antes de benfiquista só fui Pai-natalista. E como ambos equipam da mesma cor, sempre acreditei e continuo a acreditar igualmente nos dois. Portanto, tenho a certeza que, mesmo atrasado, o Pai Natal não há-de deixar de corresponder ao meu pedido.
Ele sabe que eu, em 2005, me portei bem. Quando o Benfica se sagrou campeão eu até me contive nas manifestações de alegria em atenção ao desgosto clubista dos meus amigos lagartos e fêcêpistas.
Mais: Juro que nunca gozei com os frangos do Ricardo. Quando constou que ele ía para o Inter, acreditei que se tratava mesmo da sua transferência para Milão. Os engraçadinhos, para achincalhar, aventaram a hipótese duma transferência, sim, mas para o Intermarché, secção de charcutaria. Mas eu não.
Mais recentemente, quando o FCP e o Sporting sofreram capitulação desonrosa nas competições europeias, cedendo de modo humilhante perante equipas de meia tigela, eu cá – por solidariedade com os arqui-rivais – até fingi que fiquei triste.
Enfim, muito mais poderia invocar em abono do meu comportamento bonzinho em 2005, mas não vale a pena. O que tenho a pedir ao Pai Natal, e estou certo que ele me concederá, é o seguinte. Para o próximo Natal, não consinta uma paragem prolongada nos jogos do campeonato. Quase três semanas, três! sem futebol, como sucedeu neste Natal – é um horror!
É que depois de ver o Sozinho em Casa 4 pela oitava vez, Os “Filintstones-Corações Apaixonados”, pela quinta vez, “O Homem-Aranha 2”, pela décima vez, e o”Doutor Jivago”, pela tricentésima octogésima sexta vez – uma pessoa, sem futebol, fica capaz de tudo.
Fica capaz de ouvir os discursos e entrevistas integrais dos candidatos à Presidência da República. Dá até consigo, às tantas, a bisbilhotar nas revistas cor-de-rosa a vida íntima dos futebolistas mediáticos: “Jardel reatou com Karen”, César Peixoto foi a casa dos pais de Isabel Figueira “pedir a mão à moda antiga”, Débora e Jorge Ribeiro, seguiram em lua-de-mel para o Brasil…
Bom, quando se chega a este ponto uma pessoa já está por tudo. Até um mero jogo amigável de carácter humanitário – Ronaldo e Zidane numa parada (numa paródia) de estrelas sonâmbulas –, pode servir para matar saudades. Tivemos, é certo, as transmissões dos jogos do campeonato inglês, nomeadamente a tradicional jornada do “Boxing day”. Mas que interesse tem isso, se no futebol inglês, como soa por aí, são onze de cada lado e no final ganha o Chelsea!
Portanto, à míngua de futebol do nosso, resta o pasmo. Um pasmo do tamanho do deserto, que nenhum Lisboa/Dakar consegue vencer. Até porque, no relativo a dromedários, os do deserto são uma vergonha ao pé dos camelos do nosso futebol.
A fase seguinte, na ânsia viciada de emoção competitiva, é quando uma pessoa dá por si a seguir o Campeonato do Mundo de Pólo em Elefante, realizado no Nepal. Nessa altura já tudo pode acontecer. E aqui o tudo é o grau máximo da escala da pasmaceira. Surge quando uma pessoa, tal como me aconteceu a mim, à falta de outras competições de interesse, segue o relato das sessões da Bolsa como se fosse o Portugal-Grécia na final do Euro2004: “A Euronext Lisboa fechou ontem em alta, com o PSI20 a subir 0,44 por cento”; “Dos 20 títulos que compõem o principal índice accionista português, 12 subiram, cinco desceram e três ficaram inalterados”; “A EDP ganhou 0,77 por cento”; “Os ganhos foram liderados pela ParaRede com…”.
C’os diabos! O que poderia aqui obstar ao desalento seriam as peripécias do mercado de transferências. Mas desta vez nem isso. O que houve – algumas quezílias, uns estalos (bem dados), algum “suspense” – alimentou o comentário e as parlengas, mas nada mais do que isso. Tudo não passou de um “déjà vue”: o Benfica a escolher jogadores e FCP a intrometer-se nas negociações.
E para tornar a abstinência futebolística mais penosa, só faltava esta: à pala de ajustamento de horário no plano sideral, lembraram-se de prolongar em mais 1 segundo! a duração do último dia do ano. Mais um segundo sem futebol é uma eternidade. Quem aguenta?
Portanto, Pai Natal, para o ano não há cá férias: Futebol sempre! Para consumir sem moderação.
E já agora (aqui para nós), bem podias dar um jeitinho para o nosso Benfica ganhar o campeonato e a Taça. E vê lá também se dás sorte ao Koeman para eliminarmos o Liverpool e podermos dar continuidade ao sonho, ‘tá bem?
Falo no plural porque com essa indumentária, não enganas ninguém…
Saudações benfiquistas!