RECORDANDO ABRIL (II)
Por JMMAUM POUCO DE HISTÓRIA
Nos primeiros tempos a seguir ao 25 de Abril, com a revolução na rua, o futebol perdeu algum fulgor. Sem dinheiro e sem recurso às colónias, começa-se a importar maciçamente jogadores brasileiros, a maioria sem qualidade técnica. O próprio Benfica que se gabava de só ter jogadores portugueses, acabava com essa tradição. Os primeiros indícios de que a travessia do deserto estava a chegar ao fim só surgem 10 anos depois, com o apuramento do Benfica para a final da Taça UEFA (1983) e do FC Porto para a final da Taça das Taças (1984). Finalmente, no Europeu de 1984, a selecção nacional recupera o prestígio, sendo afastada da final pela França, que viria a ser campeã.
Surgem então os primeiros programas de apoio à alta competição, que se reflectem particularmente no atletismo. No futebol, a medida mais visível é a obrigatoriedade do arrelvamento dos campos de futebol.
Entretanto, as transmissões televisivas trazem dinheiro ao futebol na mesma proporção que afastam espectadores das bancadas. O acórdão Bosman, do Tribunal Europeu, consagra a liberdade contratual dos profissionais do desporto e cria a influente «classe» dos empresários. As grandes equipas tendem a ser vistas como empresas produtoras de espectáculos. Acaba aquilo que se designava por «amor à camisola».
Com a liberdade contratual, os melhores futebolistas portugueses passam a jogar no estrangeiro. Portugal é cada vez mais um país com uma boa escola de formação de jogadores e uma selecção nacional bem cotada.
Quando se iniciavam estas mudanças, há um facto estrutural da maior relevância para a evolução que o futebol haveria de conhecer até aos nossos dias. No final de Dezembro de 1985, quando o país se preparava para a aplicação de um novo imposto, o IVA, que passaria a vigorar no dia 1 de Janeiro seguinte, com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) -, reunem-se em Coimbra os presidentes dos 16 clubes da primeira divisão do Campeonato Nacional de Futebol. Objectivo: criar uma associação de clubes profissionais portugueses. Daqui viria a nascer a actual Liga.
A partir daí, Pinto da Costa e Valentim Loureiro (na companhia de Pimenta Machado), com a complacência dos seus pares, marcaram para o bem e para o mal os 25 anos seguintes do futebol português.
Primeiro, apearam do poder os clubes de Lisboa – Benfica e Sporting -, que em rotação dominavam a FPF. Numa altura, note-se, em que as arbitragens não tinham o escrutínio de uma comunicação social plural. As novas orientações políticas e os apoios comunitários canalizados para as regiões e autarquias; assim como a desconcentração regional da riqueza, facilitam esse destronamento dos «grandes» de Lisboa.
No novo contexto, o futebol português foi crescendo e conseguiu êxitos assinaláveis. Modernizou-se. Criou escolas. Formou técnicos. Produziu bons jogadores. Conseguiu resultados a nível internacional (no FC Porto, ainda no Benfica, em todas as selecções). E, quer se queira quer não, foi a partir do Norte, desse triângulo com os principais vértices nas Antas e no Bessa, que as mudanças se operaram.
O problema está em que tanto Pinto da Costa como Valentim Loureiro não souberam estar à altura da História. Mais uma vez a natureza humana cedeu perante o deslumbramento do exercício do poder e o resultado foi aquele que se conhece.
E o que não se conhece. Se o Ministério Público e a PJ não se tivessem demitido das suas responsabilidades durante pelo menos uma década, estou certo que o processo que tanto escandalizou a opinião pública, e que é conhecido como “Apito Dourado”, não passaria de “peanuts” comparado com aquilo que em determinadas alturas houve para ser investigado. Aliás, o simples facto de o Boavista ter passado de clube confidencial a vencedor de um campeonato e protagonista europeu, justamente no período em que o seu presidente dirigia os destinos da Liga, não pode deixar de ser considerado como sintomático de um certo tipo de processos.
Por tudo isto, o “Apito Dourado” foi (deveria ter sido), para além de um processo concreto, o julgamento de uma época.
Bem fez a Liga de Hermínio Loureiro em querer cortar com a tradição desse passado nada edificante. Pena é que a FPF de Gilberto Madail, mais o seu tribunal de apelo – o Conselho de Justiça – não tenham sabido (e continuem sem saber) estar à altura do novo tempo.
Quanto a esperar que Pinto da Costa e Valentim Loureiro – que ao que julgo saber ainda é presidente da assembleia geral da Liga – se regenerem ou saiam de cena, é esperar de mais. Pelo contrário, hão-de prosseguir no jogo de influências, nas estratégias calculistas, até na luta pelo poder na Liga de Clubes e na FPF, com o fito egoista de ganhar vantagem posicional nos circuitos do Jogo da Glória. Desastroso será se os “outros” que se lhes opõem não lograrem mais do que replicar a mesma lógica.
Pois é. Fazia falta um 25 Abril ao futebol português.
ResponderEliminarQuerer que o futebol evolua com Pinto da Costa e Valentim Loureiro a manterem as suas influências, é o mesmo que querer devolver a democracia a Cuba, enquanto Fidel Castro for vivo.
Resta-nos esperar...