Surreal Lisboa e Berardo
Pequenas causas grandes efeitos:
No dia em que Rui Costa foi apresentado como reforço do Benfica, uma faixa colocada no Estádio da Luz expressava assim o sentimento de euforia vivido por cerca de três mil benfiquistas: “Hoje a Catedral está mais bonita. Bem-vindo, Rui”. Doze anos depois, o médio voltava velhinho em folha para envergar a camisola encarnada (ainda sem número), após contrato (também sem números: «o presidente ponha lá o que lhe parecer justo»), disposto a redimir-se do «pior golo da sua vida». Só no Benfica!
Deixemos, porém, a poesia lírica, passemos à poesia épica (megalomania, se quiserem). Vamos ter 300 mil sócios! Benfica o maior clube do Guiness. Benfica, primeiro clube português no «top 20» do ranking anual dos clubes mais ricos. Os chineses querem copiar os nossos kits! Em 2011 o Benfica será um colosso europeu, para não dizer mundial - dizem os dirigentes.
E com isso conseguem convencer não apenas os sócios, mas também contagiar os jornalistas. Por esses dias eufóricos das boas-vindas ao «Maestro», os jornais desportivos, naquelas elucubrações a perspectivar cientificamente a nova época para encher páginas e compensar a falta de noticiário, já não faziam por menos: «Dream team em potência». Falavam do Benfica, claro!
E o pessoal cavalga a euforia: O Simão fica! O Karagunis é o melhor número 10 da Europa! O Rui Costa ainda só tem 35 anos! O Luisão é da selecção do Brasil! O Nelson é já um ‘must’ para Scolari.
A pré-época foi um completo desastre. A pré-eliminatória para a Champions contra uma equipa doutras lides, não passou de medíocre. O arranque do campeonato no Bessa, com três golos sofridos e três jogadores expulsos, foi o que se chama um fiasco. A campanha europeia foi um Deus nos acuda: entrada às arrecuas (0-0) em Copenhaga, pé-coxinho em Glasgow (3-0), queda da UEFA abaixo, feitos num oito ante o surpreendente Espanhol. E, no entanto, lá está: a malta acredita, acredita sempre até ao último minuto: haja Mantorras.
É isso que falta ao Sporting e que, faltando também ao FC Porto e a todos os outros clubes nacionais, sobra, porém, ao Benfica: fé. Fé no sentido mais fantasioso do termo: «fé não só apesar da falta de evidências a favor, mas apesar da abundância de evidências contra.»
E depois no Benfica tudo é grande, tudo é espectáculo. Até a OPA, essa espécie de sarampo que só costuma dar aos grandes mas que Berardo resolveu accionar para se atirar às orelhas de Vieira, até essa, no Benfica, se manifesta recheada de facetas teatrais. Podia resumir-se a um mero combate de boxe em que, no fim, Mike Tyson, com dentada certeira, sacava a orelha a Holyfield. Mas não, a coisa tinha que descambar para a ópera. E sempre que o tenor canta a plateia treme! Primeiro era só para ajudar o clube; depois já queria influência na gestão; às tantas, tendo confundido a linha avançada do Benfica com os Rolling Stones, já era um carrinho de supermercado cheio de jogadores galácticos. E não se fica por aqui, ele há um fundo de investimento para comprar jogadores, ele há um SLBanco, ele há … o diabo a sete! Resta saber se nesta Cavalleria Rusticana pela nobre causa do Benfica, como na outra por causa de Lola, Alfio papa ou não a orelha de Turideu.
No Benfica, de facto, é tudo grande. Nós, os adeptos, é que parece que não. Crescer seria a negação daquilo que nos permite acreditar. Preferimos continuar a brincar aos cowboys: o cavalo é de pau, a pistola é de plástico, mas fartamo-nos de gozar. E assim vamos indo. O Zoro é a oitava maravilha do mundo. O futuro é nosso!
Pequenas causas grandes efeitos:
No dia em que Rui Costa foi apresentado como reforço do Benfica, uma faixa colocada no Estádio da Luz expressava assim o sentimento de euforia vivido por cerca de três mil benfiquistas: “Hoje a Catedral está mais bonita. Bem-vindo, Rui”. Doze anos depois, o médio voltava velhinho em folha para envergar a camisola encarnada (ainda sem número), após contrato (também sem números: «o presidente ponha lá o que lhe parecer justo»), disposto a redimir-se do «pior golo da sua vida». Só no Benfica!
Deixemos, porém, a poesia lírica, passemos à poesia épica (megalomania, se quiserem). Vamos ter 300 mil sócios! Benfica o maior clube do Guiness. Benfica, primeiro clube português no «top 20» do ranking anual dos clubes mais ricos. Os chineses querem copiar os nossos kits! Em 2011 o Benfica será um colosso europeu, para não dizer mundial - dizem os dirigentes.
E com isso conseguem convencer não apenas os sócios, mas também contagiar os jornalistas. Por esses dias eufóricos das boas-vindas ao «Maestro», os jornais desportivos, naquelas elucubrações a perspectivar cientificamente a nova época para encher páginas e compensar a falta de noticiário, já não faziam por menos: «Dream team em potência». Falavam do Benfica, claro!
E o pessoal cavalga a euforia: O Simão fica! O Karagunis é o melhor número 10 da Europa! O Rui Costa ainda só tem 35 anos! O Luisão é da selecção do Brasil! O Nelson é já um ‘must’ para Scolari.
A pré-época foi um completo desastre. A pré-eliminatória para a Champions contra uma equipa doutras lides, não passou de medíocre. O arranque do campeonato no Bessa, com três golos sofridos e três jogadores expulsos, foi o que se chama um fiasco. A campanha europeia foi um Deus nos acuda: entrada às arrecuas (0-0) em Copenhaga, pé-coxinho em Glasgow (3-0), queda da UEFA abaixo, feitos num oito ante o surpreendente Espanhol. E, no entanto, lá está: a malta acredita, acredita sempre até ao último minuto: haja Mantorras.
É isso que falta ao Sporting e que, faltando também ao FC Porto e a todos os outros clubes nacionais, sobra, porém, ao Benfica: fé. Fé no sentido mais fantasioso do termo: «fé não só apesar da falta de evidências a favor, mas apesar da abundância de evidências contra.»
E depois no Benfica tudo é grande, tudo é espectáculo. Até a OPA, essa espécie de sarampo que só costuma dar aos grandes mas que Berardo resolveu accionar para se atirar às orelhas de Vieira, até essa, no Benfica, se manifesta recheada de facetas teatrais. Podia resumir-se a um mero combate de boxe em que, no fim, Mike Tyson, com dentada certeira, sacava a orelha a Holyfield. Mas não, a coisa tinha que descambar para a ópera. E sempre que o tenor canta a plateia treme! Primeiro era só para ajudar o clube; depois já queria influência na gestão; às tantas, tendo confundido a linha avançada do Benfica com os Rolling Stones, já era um carrinho de supermercado cheio de jogadores galácticos. E não se fica por aqui, ele há um fundo de investimento para comprar jogadores, ele há um SLBanco, ele há … o diabo a sete! Resta saber se nesta Cavalleria Rusticana pela nobre causa do Benfica, como na outra por causa de Lola, Alfio papa ou não a orelha de Turideu.
No Benfica, de facto, é tudo grande. Nós, os adeptos, é que parece que não. Crescer seria a negação daquilo que nos permite acreditar. Preferimos continuar a brincar aos cowboys: o cavalo é de pau, a pistola é de plástico, mas fartamo-nos de gozar. E assim vamos indo. O Zoro é a oitava maravilha do mundo. O futuro é nosso!
A Escala de Barbas
ResponderEliminarO português, já se sabe, pela-se por festas. Qualquer notícia de somenos torna-se pretexto para um carnaval de dimensões desproporcionais. A rapaziada sai para a rua, buzina como se não houvesse amanhã, grita histericamente e esquece, por momentos, que o IVA aumentou três vezes em quatro anos. O futebol e o Benfica, em particular, são os melhores exemplos desta euforia esquizofrénica.
Secundados por uma imprensa tão ridícula como histérica, os adeptos do Benfica contam-se entre os mais crédulos da Criação. Quem esquece a saga de há três anos, iniciada com o Dream team, prosseguida com o Dream II e o Benfica de Ouro. Crédulos, os fiéis acorreram à Luz, ciosos do milagre de multiplicação. Em vez das rosas de D. Inês, queriam golos, muito golos. Debalde.
Tenho para mim que o adepto benfiquista representa um estádio menor de desenvolvimento cognitivo humano. Falta-lhe o gene do bom senso, que não se compra na botica. Falta-lhe o da moderação, que não abunda na farmácia. E falta-lhe o da inteligência, mas esse, amigos, remonta aos pais e demais antepassados.
Ao longo dos anos, os sócios do clube elegeram democraticamente uma legião de cabotinos para os liderar. João Santos dormitava nas assembleias gerais. Jorge de Brito vivia numa dimensão paralela com duendes e elfos misturados com golos do Eusébio. Manuel Damásio terá sido o presidente mais ingénuo que Pinto da Costa teve o gosto de deglutir. Chegou depois Vale e Azevedo, eterno ídolo para os produtores deste blogue, homem sem mácula e de pêlo na venta, dotado de visão de futuro e de imenso altruísmo na gestão da causa. Vale e Azevedo transformou para sempre a relação do Benfica com os seus credores e com a sociedade em geral, mas, como todos os grandes líderes, de Gandhi a Mandela, teve razão antes de tempo. Prenderam-no, como Gandhi e Mandela, e libertaram-no como Gandhi e Mandela. Talvez um dia ele volte para acabar o trabalho.
Quando Manuel Vilarinho tomou posse, alguns adeptos rivais temeram, resignados, o aparente regresso à normalidade do clube. De penalty em penalty, Vilarinho mostrou-lhes que não havia motivos para receios.
Luís Filipe Vieira é talvez o líder benfiquista mais parecido com Vale e Azevedo. Desperta os mesmos instintos primários, as mesmas explosões guturais, as mesmas euforias esquizofrénicas, que transformam um 12.º lugar na melhor coisa que poderia suceder ao Benfica.
Pergunta fundamental: porque votam os sócios do Benfica nestes talibãs? Para responder, preciso de introduzir um conceito revolucionário na discussão. Nestes anos todos, qual é a imagem que melhor se coaduna com o Benfica? As botas voadoras de Pacheco na final de Estugarda com o PSV? O penalty falhado de Veloso no mesmo jogo? O sorriso resignado de Enke em Vigo, depois de fazer sete vezes a mesma viagem ao fundo da baliza? As imagens de Vale e Azevedo em prisão domiciliária? O iate Lucky me? Não, amigos, a imagem que melhor descreve o Benfica é o Barbas de cócoras no dia da inauguração do novo estádio, deglutindo garbosamente pedaços de relva para "exemplificar aos jogadores o que é o Benfica".
Os terramotos têm escalas de Richter e Mercalli para medir a intensidade e a magnitude. Eu proponho a escala de Barbas para medir o benfiquismo. O taxista Jorge Máximo, homem que se exalta nas assembleias gerais, merece claramente um 10 na escala de Barbas. O moderado Toni, sempre pronto a ver mérito no adversário, merece um 3. E por aí adiante.
Regressando à pergunta original, porque votam os sócios nestes dirigentes? Porque maioritariamente o sócio do Benfica merece entre 8 e 10 na escala de Barbas. De certa forma, o Barbas é o Benfica. E isso diz quase tudo.
http://www.maosaoar.blogspot.com/