quinta-feira, 6 de maio de 2010

Toques de Cabeça

QUERO LÁ SABER DOS HOOLIGANS!
Por JMMA


O hooliganismo odiento voltou esta semana a marcar a actualidade desportiva. Torna-se, assim, quase obrigatório zurzir nas claques de futebol, mais em quem as alimenta, delas se aproveita ou com elas pactua. Não estou muito para aí virado, mas vamos ver se consigo.

Antes, porém, quero dizer uma coisa. Fui ontem à Gulbenkian ver a exposição de pintura que lá está desde Fevereiro, sobre a natureza-morta europeia dos séculos XVI e XVII. É uma mostra excepcional a que, dentro de um ano, se seguirá outra, sobre a natureza-morta dos séculos XIX e XX.

Os 71 quadros expostos oscilam entre a excelência da técnica, demonstrativa da mestria do artista que pinta a obra, e a afirmação de um estatuto social de riqueza e sumptuosidade ligado a quem a adquiria. Alguns dos mais belos exercícios de cor, desenho e representação estão nessa extraordinária mestria de fidelidade ao real, jogando com a inteligência e a sensibilidade do observador. Noutros casos, diferentemente, o que prevalece é a solenidade da atmosfera, conceptualizada através do aparato da composição, da subtileza das formas e até da dimensão do próprio quadro, insinuando por aí a opulência do seu possuidor e do grupo social em que ele se inscrevia.

Mas, ainda assim, o que mais me fascina nas obras expostas são os reflexos, as cambiantes de luz. Como é possível? A luz a resvalar caprichosamente por superfícies irregulares de conchas nacaradas ou a atravessar cristais transparentes; a modulação minuciosa das tonalidades, a poética das gradações de sombras e luminescências, tudo representado nos mais ínfimos pormenores de efeito plástico e alegórico.

De um modo geral, e embora o lado "perecível", de flores e outros vegetais, esteja presente, dá-se preferência à natureza-morta enquanto profusão exuberante, a apelar ao regalo dos sentidos. Há um Rembrandt, umas lebres de Goya, um Baschenis. E há extraordinários frutos e flores, copos e garrafas, salvas e talheres, objectos de porcelana, de barro, de vidro ou de metal, tecidos e pássaros, peixes, alimentos, doçarias, tudo magnífico… Esta exposição é um festival!

Mas, perguntarão: os hooligans, onde estão os hooligans odientos prometidos para esta crónica? Pensarão talvez que quiz dar-me ares de culto. Sinceramente, não sou grande entendido em pintura, não. Mas pelo que pude apreciar de uma coisa fiquei ciente: acreditem, há mais vida para além da selvajaria do futebol. De modo que, compreenderão, hoje não vou falar de hooligans nem de pequenos reizinhos e suas guardas pretorianas. Não estou com pachorra.

Sabem: quando os porcos se atravessam no nosso caminho, o melhor é nem descer para os empurrar; sujaríamos as mãos. Esperemos que passem. Embora também não queira enganar-me demasiado em relação a isso: talvez não seja possível pedir tanto à existência.

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