1990/1991 se não foi a época mais polémica do futebol português, terá andado perto. O Verão voltou a ser quente, com o Benfica a roubar Rui Águas ao FC Porto, vingando-se, dois anos depois, do assalto ao forte encarnado movido por Pinto da Costa e seus pares.
O mote para a época estava dado. O Sporting, de Marinho Peres, entra no campeonato com a força toda e rapidamente se isola no comando. No entanto, Novembro chegou - trazendo também o escandalo de corrupção na arbitragem relacionado com Francisco Silva - e o Sporting começou a escorregar, perdendo também os confrontos com FC Porto e Benfica, começando a ficar irremediavelmente afastado do título, com a aposta em António Dominguez, que veio a suceder a Marinho, a revelar-se mais um disparate de Sousa Cintra.
Reinaldo Teles, a meio da temporada, rompeu o seu tradicional silêncio para "atacar" Rui Águas, que confessava, entretanto, a sua satisfação pelo regresso à Luz: "Se não fosse o FC Porto, o Rui Águas ainda devia estar a ganhar 300 contos por mês. Agrada-me a transformação que sofreu. Agora até é uma pessoa extrovertida. Mas compreendemos. Por meio milhão de contos não pode limitar-se a marcar golos.. tem que dizer algo".
As deslocações fora do FC Porto estavam a ser complicadas, com os jogos a serem marcados por casos atrás de casos e a violência a atingir momentos bem delicados, sobretudo em Faro e em Guimarães, onde Pinto da Costa e Reinaldo Teles terão mesmo sido agredidos, com o presidente portista a levar com uma pedrada na cabeça. A responsabilidade, segundo os dirigentes do FC Porto, era de Pimenta Machado. Reinaldo Teles deu a resposta: "Fala-se que nós andamos de pistolas, metralhadoras, guarda costas, mas, na verdade, o nosso presidente é que tem sido agredido, sem quaisquer hipóteses de defesa. De duas uma: ou os capangas são imaginação de alguns D.Quixotes do nosso futebol ou precisamos de renovar o pessoal devido à sua ineficácia".
No Benfica, que se mantinha a par do FC Porto, o ambiente interno também não era o melhor - Diamantino, o "capitão" dispensado, lançava duras críticas a Gaspar Ramos, acusando o chefe do departamento de futebol do Benfica de "incompetência", e de uma política de "falsidade" e "mentiras", deixando também uma mensagem a Valdo: "Eu nunca deixei de jogar, mesmo ganhando 300 contos por mês. Nunca fui jogador de pseudo-lesões". Valdo, que queria ter saído para a Fiorentina, no defeso anterior, não gostou do que ouviu e respondeu: "A Fiorentina oferecia-me muito dinheiro e claro que fiquei perturbado, pois a minha independência financeira foi posta em causa. Mas nunca fui grevista, nem inventei lesões. Fiz muito sacrificios pelo Benfica. Deixem-me em paz, porque o que eu quero é jogar à bola!".
No FC Porto, no entanto, o início do ano de 1991 também trouxe casos. Madjer queria sair para o Valência, mas Pinto da Costa não deixou, com o argelino a entrar em guerra com Artur Jorge, que, por vezes, deixava-o de fora dos convocados: "É pena não ser o Pinto da Costa a fazer a equipa. Dá-me vontade de rir, quando vejo que nem no banco tenho lugar". Artur Jorge ripostou: "Quem teima em jogar como quer e não como eu quero - não joga!".
E, no final de Janeiro, estoura a grande bomba: por decisão da direcção do FC Porto, Geraldão é afastado do plantel. Tudo porque Pinto da Costa descobriu que o central brasileiro, que marcara vários golos decisivos de livre, assinara um pré contrato com o Benfica, pois Gaspar Ramos mantinha vivo o sonho de construção de um Benfica Europeu, com Geraldão e Ricardo no centro da defesa. Mês e meio passou, e o FC Porto perde a liderança para o clube da Luz, com Pinto da Costa preocupado, a fazer regressar Geraldão do Brasil, para voltar a dar coesão defensiva ao conjunto portista.
Chegava-se ao final de Abril, e o FC Porto, em véspera de receber o Benfica, com um ponto de atraso, vai vencer a Alvalade, com a fantástica chapelada de Jorge Couto a Ivkovic. Sousa Cintra, no final do jogo, queixava-se da arbitagem de Bento Marques, que, em abono da verdade, prejudicou os dois clubes. O jogo do título vinha a seguir.
Na véspera do FC Porto-Benfica, Artur Jorge lança o veneno: "Tendo em conta o passado recente e menos recente do futebol português, Carlos Valente não deveria ter sido nomeado para este jogo". Os seus adjuntos também disparam balas - Hernâni Gonçalves falava de arbitragem: "O Benfica quer manobrar a arbitragem, quer pressionar os árbitros", enquanto Octávio Machado desbrava fantasmas: "O Benfica que não se preocupe com a água, pois já contratamos uma empresa de aspiradores para sugar a relva e, com um bocadinho de jeito, ainda pedimos emprestado um tapete de veludo vermelho ao Papa". Eriksson manteve-se indiferente e antes de a equipa partir de comboio em direcção ao Porto, disse aos adeptos benfiquistas que foram despedir-se da equipa a Santa Apolónia aquilo que eles queriam ouvir: "Adeus, até ao nosso regresso, como campeões".
A chegada do Benfica às Antas foi marcada por um ambiente de perfeito terror. A recepção ao autocarro encarnado foi feita com pedras e mais pedras, dando razão ao cartaz exibido na superior sul: "Ides sofrer como cães". Os jogadores encarnados viram-se obrigados a equipar no corredor, onde estavam vários elementos da organização portista, já que os balneários encarnados tinham sido impregnados de um cheiro nauseabundo, impedindo Eriksson de fazer a habitual palestra antes dos jogos. Mas, no campo, o Benfica venceu por 2-0, com Svennis a fazer sair do banco César Brito, que apontou os dois golos da última vitória encarnada nas Antas até hoje. O título, com a vantagem de 3 pontos, ficava mais perto. Só que este FC Porto-Benfica não morreu aqui, pois a arbitragem de Carlos Valente veio a dar muito que falar, assim como histórias em volta dos seus fiscais de linha.
No final do jogo, Artur Jorge foi irónico com Eriksson: "O Eriksson hoje é óptimo e eu não valho nada". Eriksson radiante, preferiu não falar, deixando as palavras para Toni: "Foi uma vitória justa, mas feliz. O campeonato, no entanto, ainda não está ganho". A saída de Carlos Valente dos balneários foi marcada pelo dramatismo. Só muito a custo a polícia conseguiu retira-lo do estádio, no meio de insultos e algumas agressões, que o deixaram a cambalear. Valente, no entanto, negou tudo, dizendo apenas que "Vou dormir bem, com a consciência tranquila". Pinto da Costa, no entanto, não tardou em ripostar: "Carlos Valente teve um comportamente provocatório, chegando a insultar o banco do FC Porto", apoiado por Reinaldo Teles que acrescentou: "Ele teve um comportamento anormal e despropositado, chegando mesmo a perguntar-me se eu era o delegado ao jogo". Hernâni Gonçalves, em nome da equipa técnica, também largou os seus tradicionais 'bitaites': "O cerne da questão era o espectro de após o investimento de milhões, o Benfica não ganhar nada numa época, depois de outra sem nada ter ganho. Era a catastrofe, o 'hara-kiri' de uma direcção. Agora entendo porque os benfiquistas proclamavam aos quatro ventos que o Campeonato não chegaria ao fim se não fossem campeões".
À chegada a Lisboa, João Santos atacou Pinto da Costa e seus pares: "Houve cenas incriveis nas Antas, de intimidação à equipa e apoiantes. Os portistas criaram um clima de pânico, lançando mesmo o boato de que o árbitro teria almoçado connosco. Não deixaram os nossos jogadores equiparem-se no balneário, encharcaram as faixas laterais, e no final ainda aquelas cenas de pancadaria, com os nossos dirigentes a serem agredidos. Tudo isto porque os dirigentes do FC Porto ficaram em pânico, ao sentirem o campeonato perdido". E destas agressões, sairia do anonimato o nome do Guarda Abel, que, pouco tempo depois, numa tomada de posse da direcção do Salgueiros, ameaçou o presidente encarnado: "Aqui ou em Lisboa, hei-de mata-lo". Pinto da Costa, apercebendo-se da situação delicada, demoveu-o de tal atitude. João Santos, a salvo, traçou o perfil do Guarda Abel: "Esse senhor, um verdadeiro arruaceiro, protagonizou desacatos e desmandos, nas instalações das Antas, antes do FC Porto-Benfica. Não sei se este individuo tem protecção de alguém, mas o que é certo é que impediu os nossos dirigentes de acederem à cabina do Benfica no final do jogo, dizendo que estava a cumprir ordens de Pinto da Costa", acusando ainda a policia fardada, onde Abel estaria incluido, de ter pontapeado dirigentes encarnados dentro da zona protegida.
O Benfica conseguia o seu penúltimo título nacional, a duas jornadas do fim. No entanto, Artur Jorge vingar-se-ia a frio: partiu para o Paris Saint Germain, destruindo a equipa encarnada, levando consigo Ricardo Gomes, Valdo e... Geraldão. O Benfica europeu de Jorge de Brito e Gaspar Ramos morria à partida.
Rui Malheiro