APESAR DE TUDO, AINDA O FUTEBOL É QUE NOS VALE
Há dias, num café lisboeta, um casal estrangeiro sentava-se na mesa ao lado da minha. Instantes depois, estardalhaço…
– Oh God! – Exclama ele, frisando no beiço um bigodinho sumido, tipo «galã dos anos 50». E, quase instintivo, esboça, solícito, um gesto de auxílio.
Apercebi-me então que alguém, na mesa de lá, sabe Deus por que razão, resolvera cair da cadeira abaixo.
– Fine, fine! Thanks! – Diz este, a sacudir-se, já recomposto do desmoronamento acrobático.
– English? – Perguntou o galã.
– Off course! – Respondeu o acrobata.
E ambos retomaram os respectivos lugares, desfeitos em salamaleques de satisfação. Já a sentar-se, diz o galã dos anos 50, disfarçadamente e com todo o desdém do mundo, para o patrício acabado de conhecer:
Portuguese chairs! (risinhos sacanas)
Eu cá não sou chauvinista. Gosto do meu país, e gosto também dos outros! Mas, confesso que a cena deixou-me desafinado. Tanta alarvice fez-me rufar na cabeça ecos de «Às Armas! Às Armas! Sobre a Terra e Sobre o Mar!...»
Bem sei que Portugal, geograficamente, é um país pequeno. E por isso, dizem alguns, dificilmente conseguirá ombrear com as grandes nações. Mas a frieza dos factos prova que países como o Luxemburgo, Irlanda, Bélgica ou a Ilha Formosa, são ricos, apresentam índices de desenvolvimento superiores, e (mais importante que tudo) fazem-se respeitar. E – porra p’ro camone –, cadeiras ainda temos!
Bem sei que em Portugal ou são as pontes que caem, ou são as florestas que ardem, ou são o prédios que ruem, ou são os responsáveis que dão de frosques quando as dificuldades apertam, ou são os buracos orçamentais em ministérios acima de qualquer suspeita, ou são os segredos de justiça que viram de Polichinelo, ou são os jornalistas que nos querem fazer de parvos ou, enfim, são os aumentos do petróleo que põem de rastos a nossa economia e servem para justificar que nada aconteça como previsto. Mas que diabo – «Noooobre Povo, nação valente, iiiiimortal!» –, cadeiras ainda temos!
Bem sei que Lisboa não é Londres: em que há uma livraria em cada esquina, e todas parecem cheias, a todas as horas – do dia e da noite; são às dezenas os musicais em cena – e todos cheios de público, incluindo o Cats, em palco 23 anos consecutivos. E não é só a música, nem as grandes produções: para o teatro propriamente dito também é difícil arranjar bilhetes. A BBC não se balda aos programas de qualidade (clássicos ou contemporâneos) e esforça-se por honrar a inteligência do público. E, além de tudo isto, como se ainda fosse pouco, há a Liga Inglesa, que é o que se sabe, com níveis de assistência de público da ordem dos 90%! Sei tudo isso, no entanto – «Ó Pátria, ergue-se a voz! Dos teus egrégios avós! Que hão-de levar-te à vitória!» – porra, cadeiras ainda temos!
Para me desforrar, vingança de chinês. Em voz bem alta peço ao empregado:
– Please, a Portuguese coffee.
– Hem? (perplexidade do empregado).
– Sim, café português, porque English coffee é uma merda.
Imoral da história
Certamente que os camones ali ao lado nem perceberam. Mas por estas e por outras é que eu fiquei duplamente satisfeito quando o Benfica, há dias, levou o Manchester às cordas. Satisfação ao quadrado: primeiro a vitória cá dos meus, segundo a derrota dos gajos.
E visto «café é que nos salva», já comecei a fazer as minhas orações à Nossa Senhora de Fátima, para que, em Fevereiro, o Liverpool vá pelo mesmo caminho.
Se não for o futebol a reconfortar-nos o ego pátrio, nos tempos que correm… o que poderá ser?
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