MIGUELINHO,
A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CHAPELINHO VERMELHO
Esta é a verdadeira história do menino Miguelinho, indecentemente seduzido pelo empresário Galo Sarnosa, quando passeava na «selva» com o seu chapelinho vermelho, faltando assim ao encontro prometido com o avozinho Felipe, no Campo da Luz.
A coisa começou assim.
Miguelinho é acometido por visões galácticas
Uma tarde, quando seguia na segunda circular, no troço que ladeia o Estádio da Luz, o nosso Miguelinho teve uma impressão estranha. Quase todos os dias, desde que estava de férias, dava esse passeio. Era um passeio calmo, lento, meditativo, e sobretudo reconfortante pelas memórias ainda frescas das glórias vividas naquele bruto Estádio. Pois foi num desses passeios, precisamente ao passar nas proximidades do Colombo e quando, naturalmente, se lhe depara a imponência, a solenidade grandiosa da Catedral, foi aí que Miguelinho teve essa impressão estranha. De repente, nunca soube como nem porquê, tudo aquilo à sua frente lhe pareceu irreal. Como se fosse uma representação numa gravura; uma foto qualquer num pedaço de jornal amarelecido pelo tempo.
Não durou esta impressão estranha mais do que um momento. Pelo menos foi o que julgou Miguelinho. E não chegou a ser assustadora. Antes lhe pareceu trazer-lhe uma vaga sensação de prazer; um remoto lampejo de esperança… A esperança na possível evasão para uma espécie de «terra prometida» onde lhe estariam reservados inimagináveis destinos de glória galática.
Galo Sarnosa arma encontro «casual» com Miguelinho
A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CHAPELINHO VERMELHO
Esta é a verdadeira história do menino Miguelinho, indecentemente seduzido pelo empresário Galo Sarnosa, quando passeava na «selva» com o seu chapelinho vermelho, faltando assim ao encontro prometido com o avozinho Felipe, no Campo da Luz.
A coisa começou assim.
Miguelinho é acometido por visões galácticas
Uma tarde, quando seguia na segunda circular, no troço que ladeia o Estádio da Luz, o nosso Miguelinho teve uma impressão estranha. Quase todos os dias, desde que estava de férias, dava esse passeio. Era um passeio calmo, lento, meditativo, e sobretudo reconfortante pelas memórias ainda frescas das glórias vividas naquele bruto Estádio. Pois foi num desses passeios, precisamente ao passar nas proximidades do Colombo e quando, naturalmente, se lhe depara a imponência, a solenidade grandiosa da Catedral, foi aí que Miguelinho teve essa impressão estranha. De repente, nunca soube como nem porquê, tudo aquilo à sua frente lhe pareceu irreal. Como se fosse uma representação numa gravura; uma foto qualquer num pedaço de jornal amarelecido pelo tempo.
Não durou esta impressão estranha mais do que um momento. Pelo menos foi o que julgou Miguelinho. E não chegou a ser assustadora. Antes lhe pareceu trazer-lhe uma vaga sensação de prazer; um remoto lampejo de esperança… A esperança na possível evasão para uma espécie de «terra prometida» onde lhe estariam reservados inimagináveis destinos de glória galática.
Galo Sarnosa arma encontro «casual» com Miguelinho
Mal acordara ainda destes pensamentos, eis que avista, empoleirado num ramo, essa avis rara da selva, o auto intitulado empresário Galo Sarnosa. Bicho finório, manhoso, pimpão, Sarnosa estava ali «por acaso». «Por acaso» - entenda-se - tal como o cigano está por acaso, na Feira do Relógio, atrás duma banca de roupa falsificada; ou «por acaso» como o amigo-do-alheio viaja de Metro nas horas de ponta. Portanto, Galo Sarnosa, candongueiro experiente no tráfico de bichos de circo, estava ali «por acaso».
Depois de trocarem as cortesias do costume, apercebendo-se da expressão confusa que Miguelinho ostentava, mal disfarçada por baixo do seu chapelinho vermelho, disse-lhe o Galo Sarnosa, entregando-lhe um cartão: - «Toma isto. Encontramo-nos amanhã neste sítio, pela calada da noite; apresento-te um amigo, bebemos um copo…» – E já a despedir-se – «Vai lá, não te esqueças; que eu ofereço-te um Porto!…»
Se já estava confuso, com esta cena fantástica Miguelinho ficou completamente passado. Qualquer coisa tinha aquele Galo que lhe pareceu estranha, mas não sabia o quê. Fora tudo tão rápido que nem pôde aperceber-se de que a cor da crista afinal não era vermelha; era doutra cor como o Michael Jackson. E isso lhe dava aquela aparência desbotada, surrada, que afinal explica o apelido «Sarnosa». Mas o que verdadeiramente ficou a intrigar Miguelinho foi a promessa à despedida. Que queria o Galo Sarnosa dizer com essa de «ofereço-te um Porto»! Ná, concluía Miguelinha com os seus botões, este Galo tem água no bico. Este bicho não dá Porto sem nó.
Bom, adiante.
No Solar dos Leões, com o Leão Safadão
No dia combinado, à hora combinada, no local combinado: Miguelinho lá estava. À porta, num placar luminoso, enormes letras verdes anunciavam - Solar dos Leões. Ao fundo da sala composta de várias mesas dispostas com discrição, os músicos desengonçavam-se em atitudes grotescas. Os sons dos seus instrumentos arrepelavam o ouvido com estridências selvagens (estavam tocando uma dessas músicas eufóricas cujo refrão era «Só eu sei porque... etc., etc.»). À direita, retratos enormes suspensos da parede homenageavam personalidades gloriosas, gratas à memória daquele Solar. No retrato logo à entrada, uma figura histórica ostentava aristocraticamente os seus enormes bigodes: era Jorge Gonçalves. Mas logo a seguir, exclamava Miguelinho para consigo: – «Olha!, Também estão aqui representados estrangeiros. Aquele ali conheço eu bem: é o Bernard Tapis, do Marselha!». A atmosfera enevoada de fumo não lhe permitia identificar mais retratos. Mas antes que Miguelinho se tivesse apercebido do ambiente onde fora atraído já o Galo Sarnosa, pegando-lhe no braço, paternalmente o tranquilizava: - «Tá descansado, é tudo uma família».
Logo a seguir, ainda o Galo Sarnosa:
- «Olha, nem de propósito! Miguelinho, apresento-te aqui um amigo cá da selva.»
Nisto, já esse amigo, estendendo a mão, dizia solícito:
- «Dias Farreira, muito prazer.»
Apesar de ter retribuído o cumprimento, nesta altura Miguelinho ainda se esforçava por compreender o que se passava à sua volta. A atenção ia-lhe agora para uns anúncios feéricos, cuja luz espalhava em toda a sala variações de cor entre verde e verde e em que se lia «Cerveja Cintra; Amor sem ressaca». Coisa confusa, pensou Miguelinho. Amor a quê? À cerveja, ou com o Cintra?!
Bom, mas ele não estava ali para essas coisas. Era apenas para falar com o senhor Galo Sarnosa e com este que acabara de lhe ser apresentado, o tal «Dias Farreira, muito prazer», no qual Miguelinho finalmente começou a fixar a sua atenção.
Embora com formas claramente humanas, Farreira mal parecia ser homem, um homem como os outros. Por vários aspectos antes se afigurava aos olhos de Miguelinho da raça dos bichos. Como os bichos da florestas, se apresentava Farreira com o corpo coberto de pelos. E na cabeça, na cara e em toda a volta do pescoço uma abundante juba logo fez crer a Miguelinho que, afinal, assim peludo por certo seria um leão. E esta conjectura logo viria a ser confirmada quando Miguelinho reparou nas mãos do bicho peludo: mão pesada, que terminavam em garra, só podia ser um leão.
A constatação fez Miguelinho estremecer. E logo que pôde fazê-lo disfarçadamente bichanou ao ouvido de Galo Sarnosa: - «Este não é o Leão Safadão?». Para despistar, respondeu aquele: - Não! Qual Leão Safadão, qual quê? É o Leão Sabichão!... doutor em lábia. E dito isto desatou logo Galo Sarnosa a recordar, a Miguelinho, alguns pormenores famosos da biografia do bicho peludo. Que, sim: era um excelente carácter, um hábil conhecedor dos meandros da floresta, um defensor firme de grandes causas. Especialmente, causas perdidas como essas dos Pintos (Sás e Joões) que se armaram em galos contra treinadores e árbitros, ao serviço da selecção. Pensando nisto, remata então o menino Miguelinho, já mais tranquilo: - «Pois sim, venham de lá então os conselhos do senhor Farreira Leão Sabichão».
Disfarçado de Sabichão, Leão Safadão convence Miguelinho a desfazer-se do chapéu...
Farreira que é um ratão formidável, não falava sem beber. A um sinal seu, nesta altura já o criado de mesa desvirgindava com requintes profissionais uma garrafa de tinto reserva, colheita especial da Herdade do Esporão. Tem graça – pensou Miguelinho, na sua inocência. Esporão... olha que sempre há com cada coincidência... Também por essa altura reparou Miguelinho, ao ler a ementa em cima da mesa, que a especialidade da casa era «aviar trouxas». Mas desconfiou de nada.
Provada a pinga, Farreira olhou para Miguelinho e antes propriamente de entrar na matéria fez questão de lhe dirigir um pedido. Pediu-lhe que tirasse o chapéu. À uma porque, como sabemos, o chapelinho era vermelho (de facto, era ainda o da comemoração do triunfo no campeonato) e isso incomodava-o. Mas Farreira tinha outra razão, verdadeiramente inconfessável. O chapéu era um daqueles bonés de pala, estão a ver?, e sempre que Farreira olhava para Miguelinho, aquela enorme pala fazia-lhe lembrar o treinador da Udinese e isso provocava-lhe arrepios e maus pressentimentos.
Então (Atenção leitor, este momento é decisivo):
- «Tá bem» – disse o menino Miguelinho. E atirou o chapéu ali para um canto.
Fê-lo duma vez por todas, como depois se viria a constatar.
A conversa continuou. Se Dias Farreira dizia, logo Galo Sarnosa concordava, e vice-versa: era preciso arrancar Miguelinho, quanto antes, ao doentio abatimento em que vivia… Para isso nada viam de melhor do que revelarem-lhe a verdadeira «índole» do avozinho Felipe, que ele Miguelinho, apesar das visões, estimava com maníaca obsessão e em que continuava a acreditar com tão obstinada cegueira.
O que arde cura! – repetia o empresário Galo Sarnosa, com férrea convicção.
Neste ponto, já a banda havia avançado no reportório da noite. Agora repetia incansavelmente a música e o refrão do André Sardé: «Ai como acredito /Que o teu futuro é infinito…»
... E foi o fim.
Durante dois, três, quatro dias, fora Miguelinho confiadamente esperado em casa do avô Felipe, no Campo da Luz. Mas os dias passaram uns após outros. E Miguelinho nunca mais voltou. Entretanto, já no Campo da Luz se fervia de raiva. Todos ficaram primeiro atónitos, depois constrangidos. Vovô Felipe nem repetiu os pratos favoritos. Tentou-se falar doutras coisas. Tratou-se de coisas várias, com uma naturalidade fingida.
Correu mais tarde que Miguelinho fugira para Espanha numa carroça de saltimbancos nómadas.
Claro que houve consternação geral. Felipe quase caiu de cama; já todos receavam que não resistisse a este golpe. Ele que durante tantos anos tratara este neto como se fosse filho.
Mas, afinal, o que se passou?
O que se passou não é para contar. Pelo menos enquanto este blogue não estiver identificado com um círculo bem visível no canto superior direito do écran.
Portanto, silêncio.
Nota do autor:
Enganam-se os moralistas que dizem que não há moral no nosso futebol. Não, a moralidade não é uma simples palavra, uma miragem, um sonho de gente ingénua! A moralidade existe, palpita, vive e reina … no Futebol Português!...
A história acabada de contar foi passada entre animais; não passa duma fábula. Arredem-se lá para longe os derrotistas, que para se darem ares de gente séria fingem avistar escândalos nos mais puros actos das pessoas do futebol. Nada disso! Que os animais nos bosques (onde impera a lei da selva) tratassem de viver como nós, compreender-se-ia. Agora que os homens se satisfaçam em viver como eles, isso é o que não se entende!...
O que é certo é que o capuchinho vermelho lá foi para um bosque melhor no alto da sua carroça...
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