terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O maior engano do Homem, é pensar que a História não se pode repetir

1990/1991 se não foi a época mais polémica do futebol português, terá andado perto. O Verão voltou a ser quente, com o Benfica a roubar Rui Águas ao FC Porto, vingando-se, dois anos depois, do assalto ao forte encarnado movido por Pinto da Costa e seus pares.

O mote para a época estava dado. O Sporting, de Marinho Peres, entra no campeonato com a força toda e rapidamente se isola no comando. No entanto, Novembro chegou - trazendo também o escandalo de corrupção na arbitragem relacionado com Francisco Silva - e o Sporting começou a escorregar, perdendo também os confrontos com FC Porto e Benfica, começando a ficar irremediavelmente afastado do título, com a aposta em António Dominguez, que veio a suceder a Marinho, a revelar-se mais um disparate de Sousa Cintra.

Reinaldo Teles, a meio da temporada, rompeu o seu tradicional silêncio para "atacar" Rui Águas, que confessava, entretanto, a sua satisfação pelo regresso à Luz: "Se não fosse o FC Porto, o Rui Águas ainda devia estar a ganhar 300 contos por mês. Agrada-me a transformação que sofreu. Agora até é uma pessoa extrovertida. Mas compreendemos. Por meio milhão de contos não pode limitar-se a marcar golos.. tem que dizer algo".

As deslocações fora do FC Porto estavam a ser complicadas, com os jogos a serem marcados por casos atrás de casos e a violência a atingir momentos bem delicados, sobretudo em Faro e em Guimarães, onde Pinto da Costa e Reinaldo Teles terão mesmo sido agredidos, com o presidente portista a levar com uma pedrada na cabeça. A responsabilidade, segundo os dirigentes do FC Porto, era de Pimenta Machado. Reinaldo Teles deu a resposta: "Fala-se que nós andamos de pistolas, metralhadoras, guarda costas, mas, na verdade, o nosso presidente é que tem sido agredido, sem quaisquer hipóteses de defesa. De duas uma: ou os capangas são imaginação de alguns D.Quixotes do nosso futebol ou precisamos de renovar o pessoal devido à sua ineficácia".

No Benfica, que se mantinha a par do FC Porto, o ambiente interno também não era o melhor - Diamantino, o "capitão" dispensado, lançava duras críticas a Gaspar Ramos, acusando o chefe do departamento de futebol do Benfica de "incompetência", e de uma política de "falsidade" e "mentiras", deixando também uma mensagem a Valdo: "Eu nunca deixei de jogar, mesmo ganhando 300 contos por mês. Nunca fui jogador de pseudo-lesões". Valdo, que queria ter saído para a Fiorentina, no defeso anterior, não gostou do que ouviu e respondeu: "A Fiorentina oferecia-me muito dinheiro e claro que fiquei perturbado, pois a minha independência financeira foi posta em causa. Mas nunca fui grevista, nem inventei lesões. Fiz muito sacrificios pelo Benfica. Deixem-me em paz, porque o que eu quero é jogar à bola!".

No FC Porto, no entanto, o início do ano de 1991 também trouxe casos. Madjer queria sair para o Valência, mas Pinto da Costa não deixou, com o argelino a entrar em guerra com Artur Jorge, que, por vezes, deixava-o de fora dos convocados: "É pena não ser o Pinto da Costa a fazer a equipa. Dá-me vontade de rir, quando vejo que nem no banco tenho lugar". Artur Jorge ripostou: "Quem teima em jogar como quer e não como eu quero - não joga!".

E, no final de Janeiro, estoura a grande bomba: por decisão da direcção do FC Porto, Geraldão é afastado do plantel. Tudo porque Pinto da Costa descobriu que o central brasileiro, que marcara vários golos decisivos de livre, assinara um pré contrato com o Benfica, pois Gaspar Ramos mantinha vivo o sonho de construção de um Benfica Europeu, com Geraldão e Ricardo no centro da defesa. Mês e meio passou, e o FC Porto perde a liderança para o clube da Luz, com Pinto da Costa preocupado, a fazer regressar Geraldão do Brasil, para voltar a dar coesão defensiva ao conjunto portista.

Chegava-se ao final de Abril, e o FC Porto, em véspera de receber o Benfica, com um ponto de atraso, vai vencer a Alvalade, com a fantástica chapelada de Jorge Couto a Ivkovic. Sousa Cintra, no final do jogo, queixava-se da arbitagem de Bento Marques, que, em abono da verdade, prejudicou os dois clubes. O jogo do título vinha a seguir.

Na véspera do FC Porto-Benfica, Artur Jorge lança o veneno: "Tendo em conta o passado recente e menos recente do futebol português, Carlos Valente não deveria ter sido nomeado para este jogo". Os seus adjuntos também disparam balas - Hernâni Gonçalves falava de arbitragem: "O Benfica quer manobrar a arbitragem, quer pressionar os árbitros", enquanto Octávio Machado desbrava fantasmas: "O Benfica que não se preocupe com a água, pois já contratamos uma empresa de aspiradores para sugar a relva e, com um bocadinho de jeito, ainda pedimos emprestado um tapete de veludo vermelho ao Papa". Eriksson manteve-se indiferente e antes de a equipa partir de comboio em direcção ao Porto, disse aos adeptos benfiquistas que foram despedir-se da equipa a Santa Apolónia aquilo que eles queriam ouvir: "Adeus, até ao nosso regresso, como campeões".

A chegada do Benfica às Antas foi marcada por um ambiente de perfeito terror. A recepção ao autocarro encarnado foi feita com pedras e mais pedras, dando razão ao cartaz exibido na superior sul: "Ides sofrer como cães". Os jogadores encarnados viram-se obrigados a equipar no corredor, onde estavam vários elementos da organização portista, já que os balneários encarnados tinham sido impregnados de um cheiro nauseabundo, impedindo Eriksson de fazer a habitual palestra antes dos jogos. Mas, no campo, o Benfica venceu por 2-0, com Svennis a fazer sair do banco César Brito, que apontou os dois golos da última vitória encarnada nas Antas até hoje. O título, com a vantagem de 3 pontos, ficava mais perto. Só que este FC Porto-Benfica não morreu aqui, pois a arbitragem de Carlos Valente veio a dar muito que falar, assim como histórias em volta dos seus fiscais de linha.

No final do jogo, Artur Jorge foi irónico com Eriksson: "O Eriksson hoje é óptimo e eu não valho nada". Eriksson radiante, preferiu não falar, deixando as palavras para Toni: "Foi uma vitória justa, mas feliz. O campeonato, no entanto, ainda não está ganho". A saída de Carlos Valente dos balneários foi marcada pelo dramatismo. Só muito a custo a polícia conseguiu retira-lo do estádio, no meio de insultos e algumas agressões, que o deixaram a cambalear. Valente, no entanto, negou tudo, dizendo apenas que "Vou dormir bem, com a consciência tranquila". Pinto da Costa, no entanto, não tardou em ripostar: "Carlos Valente teve um comportamente provocatório, chegando a insultar o banco do FC Porto", apoiado por Reinaldo Teles que acrescentou: "Ele teve um comportamento anormal e despropositado, chegando mesmo a perguntar-me se eu era o delegado ao jogo". Hernâni Gonçalves, em nome da equipa técnica, também largou os seus tradicionais 'bitaites': "O cerne da questão era o espectro de após o investimento de milhões, o Benfica não ganhar nada numa época, depois de outra sem nada ter ganho. Era a catastrofe, o 'hara-kiri' de uma direcção. Agora entendo porque os benfiquistas proclamavam aos quatro ventos que o Campeonato não chegaria ao fim se não fossem campeões".

À chegada a Lisboa, João Santos atacou Pinto da Costa e seus pares: "Houve cenas incriveis nas Antas, de intimidação à equipa e apoiantes. Os portistas criaram um clima de pânico, lançando mesmo o boato de que o árbitro teria almoçado connosco. Não deixaram os nossos jogadores equiparem-se no balneário, encharcaram as faixas laterais, e no final ainda aquelas cenas de pancadaria, com os nossos dirigentes a serem agredidos. Tudo isto porque os dirigentes do FC Porto ficaram em pânico, ao sentirem o campeonato perdido". E destas agressões, sairia do anonimato o nome do Guarda Abel, que, pouco tempo depois, numa tomada de posse da direcção do Salgueiros, ameaçou o presidente encarnado: "Aqui ou em Lisboa, hei-de mata-lo". Pinto da Costa, apercebendo-se da situação delicada, demoveu-o de tal atitude. João Santos, a salvo, traçou o perfil do Guarda Abel: "Esse senhor, um verdadeiro arruaceiro, protagonizou desacatos e desmandos, nas instalações das Antas, antes do FC Porto-Benfica. Não sei se este individuo tem protecção de alguém, mas o que é certo é que impediu os nossos dirigentes de acederem à cabina do Benfica no final do jogo, dizendo que estava a cumprir ordens de Pinto da Costa", acusando ainda a policia fardada, onde Abel estaria incluido, de ter pontapeado dirigentes encarnados dentro da zona protegida.

O Benfica conseguia o seu penúltimo título nacional, a duas jornadas do fim. No entanto, Artur Jorge vingar-se-ia a frio: partiu para o Paris Saint Germain, destruindo a equipa encarnada, levando consigo Ricardo Gomes, Valdo e... Geraldão. O Benfica europeu de Jorge de Brito e Gaspar Ramos morria à partida.

Rui Malheiro

3 comentários:

  1. Um reparo, que penso não padecer de erro: o referido encontro 'FCP-SLB' respeita à ápoca 1993/1994, esse sim o´penúltimo título conquistado pelo SLB.

    Eu estive no estádio, e recordo a mágoa com que o abandonei.

    Recordo também terem sido imensos os adeptos que se deslocaram às 'Antas', e não me ocorre honestamente que tenha havido problemas.
    Era esse um tempo em que os 'adeptos' adversários não viam a sua saída do estádio retardada, como actualmente sucede, de onde resulta que percorri as traseiras do topo norte do estádio entre muitos benfiquistas, sem que tivesse testemunhado quaisquer problemas. Apenas me vi forçado (como tantos portistas) a viver de perto a alegria que transportavam. Já então tinha paciência!

    Recordo, ainda e também, que ao meu redor na Bancada Central do estádio, se sentava um grupo de sete adeptos do SLB e um do FCP, que juntos tinham viajado, no dia do jogo, de Viseu para o Porto. O veículo que os transportou, era propriedade do adepto do FCP, que por inerência o conduzia. Retenho a dor com que no final da partida, suportava o gozo com que os amigos o presenteavam, e a ameaça velada que lhes dirigiu de que seguiriam a pé rumo a Viseu.
    Vinham carregados de comida e bebida que, comigo e com os demais que ali se encontravam, partilharam, antes e durante o jogo.

    Por muito que me possa enganar, creio infelizmente haver histórias que não se repetem.

    O mais que se assegura ter sucedido, e é aqui transcrito, foram por certo e apenas "provocações" (quiça não insultuosas) de um agente desportivo/interveniente no jogo, absolutamente desproporcionais à bárbara agressão/derrota que todos os portistas (especialmente os que se deslocaram ao estádio) sofreram naquele fatídico dia.

    Aqui não me engano.
    A história repete-se, de facto, qual peça de teatro que perdura.
    O palco é diferente, a peça é a mesma, e os actores - mau grado diferentes - ostentam as mesmas vestes.
    Apenas se invertem os papéis, como apenas se alteram os juízos críticos.

    E no final, o público, entre vivas ao que nisto resta de futebol, aplude, satisfeito!!!
    Então, como hoje.

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  2. Uma nota adicional ao anterior comentário, esta sim relevante porque obrigatória.

    Tive a oportunidade de ver jogar, nesse dia, ao vivo, um dos jogadores mais completos que, a meu ver, passou pelo SLB e pelo futebol nacional.

    Retenho na memória a imensa qualidade do seu futebol, que merecidamente o guindou ao nível de excelência que todos então lhe reconheciam.

    O seu nome: Ricardo Gomes.

    O mesmo nome, o mesmo homem que ainda ligado ao futebol , hoje como treinador(S. Paulo), irrompeu pelo meu dia de ontem, com novas que dispenso em absoluto.

    Rezam as crónicas, que sofreu no passado Domingo um AVC.

    Que Deus o proteja, e permita a sua célere recuperação.

    Assim deseja este seu anónimo e portista admirador confesso, que muito lhe agradece ter engrandecido o futebol, particularmente o português.

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  3. Excelente testemunho JCR. Mas a essência do desporto é essa. Derrota e vitória (a ordem não interessa). E é tão importante saber perder como saber ganhar.

    Naquele dia de angústia para os portistas e de alegria para os benfiquistas, estaria o JCR concerteza longe de imaginar as vitória futuras e gloriosas que aí vinham para o seu clube.

    O que é estranho (para mim) é quando há só um clube a vencer.

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