NEOVALENTISMO
Um dia, Hermínio perdeu-se no seu novo Palácio. Temendo mover-se a ponto de perder-se ainda mais, temeu o que podia acontecer se não se movesse. Pelo que se moveu. Tanto que entrou numa sala. Tão estranha que só podia ser a Sala Perdida. Aquela que se perdera da Moral que se suponha habitar o Palácio. Ao fundo, um colossal guarda-fatos axadrezado. Pensando ter achado alguma coisa que não devia ter achado, temeu o que podia acontecer se se soubesse o que achara. Hesitou assim aproximar-se. Mas, temendo o que podia acontecer se não se aproximasse, aproximou-se. As portas do guarda-fatos, temeu muito abri-las. Mas, temendo o que podia acontecer caso não as abrisse, abriu-as. Tão lentamente quanto possível, ora abrindo-as, ora fechando-as, embora abrindo-as porventura um pouco mais do que as fechava. Foi então que entreviu, ao fundo do guarda-fatos, um farda resplandecente. Fechou imediatamente as portas do guarda-fatos. Mas temendo o que podia acontecer se as mantivesse fechadas, abriu-as. Abismou-se, era uma farda de Major. Temendo o que podia acontecer se não a vestisse, vestiu-a. Mas, logo temendo o que podia acontecer se não se visse com ela vestido antes de outros o verem, viu-se ao espelho. Ficava temivelmente bem. Percebeu que tinha coisas nos bolsos. Temendo o que podia acontecer, se não soubesse o que é que os bolsos tinham lá dentro, meteu as mãos nos bolsos. No bolso direito encontrou muitas folhas de papel rasgadas, com nomes e classificações de certos árbitros. No bolso esquerdo, encontrou um apito de ouro. Percebeu que era a farda do célebre Major, que anteriormente habitara no mesmo Palácio. Percebeu porque é que a Sala se perdera das outras salas do Palácio. Freneticamente escancarando gavetas sobre gavetas, acabou por achar o frasco da cola. Foi então que ouviu vozes. Procuravam-no. E iam, não tardaria nada, encontrá-lo. Temeu o que diriam se o encontrassem vestido de Major, com um apito dourado numa das mãos e um punhado de folhas, com nomes e classificações de certos árbitros, na outra. Quando abriram as portas, estava ele a meio da Sala, esplendidamente fardado. Sorria, de alívio. Ninguém, vendo-o ao centro da Sala Perdida do Palácio, poderia dizer que ele era a reencarnação do Major. Porque se era verdade que ostentava a farda resplandecente do Major, as folhas que exibia numa das mãos estavam rasgadas. A outra mão, atrás das costas, escondia o apito e o frasco da cola.
(O truque do vira-o-disco-e-toca-o-mesmo é mais velho que o pirata da perna de pau. O que não falta por esses ‘ismos’ fora é duplos de serviço - «young people, old voices» - a dobrar chefes fora do prazo de validade. Que bem os topa Artur Portela em «Os Peixes Voadores», tão presente nesta história. Mas se é assim tão velho o truque, por que razão ainda resulta?... Vá lá saber-se porquê. «Mistérios da fé»!)
Um dia, Hermínio perdeu-se no seu novo Palácio. Temendo mover-se a ponto de perder-se ainda mais, temeu o que podia acontecer se não se movesse. Pelo que se moveu. Tanto que entrou numa sala. Tão estranha que só podia ser a Sala Perdida. Aquela que se perdera da Moral que se suponha habitar o Palácio. Ao fundo, um colossal guarda-fatos axadrezado. Pensando ter achado alguma coisa que não devia ter achado, temeu o que podia acontecer se se soubesse o que achara. Hesitou assim aproximar-se. Mas, temendo o que podia acontecer se não se aproximasse, aproximou-se. As portas do guarda-fatos, temeu muito abri-las. Mas, temendo o que podia acontecer caso não as abrisse, abriu-as. Tão lentamente quanto possível, ora abrindo-as, ora fechando-as, embora abrindo-as porventura um pouco mais do que as fechava. Foi então que entreviu, ao fundo do guarda-fatos, um farda resplandecente. Fechou imediatamente as portas do guarda-fatos. Mas temendo o que podia acontecer se as mantivesse fechadas, abriu-as. Abismou-se, era uma farda de Major. Temendo o que podia acontecer se não a vestisse, vestiu-a. Mas, logo temendo o que podia acontecer se não se visse com ela vestido antes de outros o verem, viu-se ao espelho. Ficava temivelmente bem. Percebeu que tinha coisas nos bolsos. Temendo o que podia acontecer, se não soubesse o que é que os bolsos tinham lá dentro, meteu as mãos nos bolsos. No bolso direito encontrou muitas folhas de papel rasgadas, com nomes e classificações de certos árbitros. No bolso esquerdo, encontrou um apito de ouro. Percebeu que era a farda do célebre Major, que anteriormente habitara no mesmo Palácio. Percebeu porque é que a Sala se perdera das outras salas do Palácio. Freneticamente escancarando gavetas sobre gavetas, acabou por achar o frasco da cola. Foi então que ouviu vozes. Procuravam-no. E iam, não tardaria nada, encontrá-lo. Temeu o que diriam se o encontrassem vestido de Major, com um apito dourado numa das mãos e um punhado de folhas, com nomes e classificações de certos árbitros, na outra. Quando abriram as portas, estava ele a meio da Sala, esplendidamente fardado. Sorria, de alívio. Ninguém, vendo-o ao centro da Sala Perdida do Palácio, poderia dizer que ele era a reencarnação do Major. Porque se era verdade que ostentava a farda resplandecente do Major, as folhas que exibia numa das mãos estavam rasgadas. A outra mão, atrás das costas, escondia o apito e o frasco da cola.
(O truque do vira-o-disco-e-toca-o-mesmo é mais velho que o pirata da perna de pau. O que não falta por esses ‘ismos’ fora é duplos de serviço - «young people, old voices» - a dobrar chefes fora do prazo de validade. Que bem os topa Artur Portela em «Os Peixes Voadores», tão presente nesta história. Mas se é assim tão velho o truque, por que razão ainda resulta?... Vá lá saber-se porquê. «Mistérios da fé»!)
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