Pinceladas de Abril
FOI NOTÍCIA…
Ter-se-á passado assim. O motorista do autocarro baixou o som do rádio, falou com o intérprete e deu a novidade: «Há uma revolução em Portugal!»
A bordo vinha a equipa de futebol do Sporting que regressava da cidade de Madeburgo (Alemanha de Leste), onde, na noite anterior, fora afastada da final da Taça dos Vencedores das Taças.
Em Portugal, com a tropa na rua desde madrugada, a opinião pública mostrava-se mais preocupada com as incertezas da alvorada do que interessada nos sucessos da bola. Ainda assim, a presença do Sporting numa estrada para lá da Cortina de Ferro acabou por ser a notícia que marcou desportivamente o 25 de Abril de 1974. A comitiva queria regressar ao país, mas havia os obstáculos comuns de uma revolução: as fronteiras estavam fechadas.
Antes de 25 de Abril, 16 de Março. Sábado: tropas aquarteladas nas Caldas da Rainha marcham para Lisboa, na tentativa frustrada de ocupar o aeroporto. No dia seguinte, Domingo grande em Alvalade: Sporting e Futebol Clube do Porto enfrentam-se para o campeonato (2-0 para os donos da casa).
Lugar de honra também para o 31 de Março. O chefe do governo Marcelo Caetano procura serenar os ânimos mostrando-se à multidão no Estádio de Alvalade, em dia de dérbi: Sporting – Benfica (resultado, 3-5). A foto do jornal mostra-o na bancada vip acenando ao povo que, como é óbvio, não estava lá para o vitoriar. Mas sobre as dimensões do aplauso, como se diz nestes casos, os observadores dividem-se…
Sob um regime marcado pela Guerra Colonial, pela censura e pelo controlo da sociedade pelo Estado, a que naturalmente não fugia o desporto, os clubes ainda assim eram dos poucos espaços onde havia alguns (ténues) laivos de liberdade. Apesar de alienantes, as paixões em torno dos emblemas tinham mais força mobilizadora do que as desgastadas convicções do Estado Novo. Não se pense, porém, que havia clubes de direita e clubes de esquerda. Eram todos pró regime, e ponto final. Até porque, embora os sócios elegessem os dirigentes, ninguém tomava posse sem que a sua folha de serviços prestados ao Estado Novo fosse submetida ao crivo dos serviços governamentais competentes.
Quando se dá o 25 de Abril faltam três jornadas para o final do campeonato: o Sporting tem mais um ponto que o Benfica, mais dois que o Setúbal e mais três que o Futebol Clube do Porto. E mantém o avanço até final.
Foram muitos os milhares de apoiantes sportinguistas que festejaram no seu estádio o título de campeão nacional, mas muitos outros milhares terão estado na mesma altura em manifestações, comícios, reuniões de esclarecimento, plenários sindicais, a viver os primeiros dias de liberdade. A mobilização política afasta gente dos clubes e das bancadas.
Para trás fica a lembrança dum período da nossa história desbotado e podre, saturado de hipocrisia, provincianismo e manipulação. Pena é que, olhando hoje para o comportamento de certos senhores da bola e das tribos que os incensam, se percebe que, neste aspecto, é nula a diferença entre o antes e o depois. A não ser nos métodos, naturalmente.
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