quarta-feira, 1 de abril de 2009

Toques de Cabeça

O DIA DO FUTEBOL
Por JMMA

No futebol português, vivemos rodeados de meias verdades, que são mais perigosas que mentiras. Quase nada do que se vê e ouve nos dirigentes ou no discurso dos técnicos é inteiramente mentira, mas também quase nada é rigorosamente verdade.

Não é completamente mentira que os dirigentes do Braga e do Sporting renunciaram aos cargos na Liga por protesto contra os erros de arbitragem; mas não é certo que o fariam se os erros havidos prejudicassem outros clubes que não os seus. Mostraram, assim, que estavam lá para puxar a brasa à sua sardinha; mas a verdade é que a justificação de para lá terem ido nunca foi essa; tal como não foi essa a razão para de lá terem saído.

A afirmação do seleccionador nacional sobre o jogo com Suécia de que este encontro não era decisivo para Portugal se qualificar para a África do Sul – não é inteiramente mentira. Esperemos é que não seja inteiramente verdade o que ele, seleccionador, também já havia dito antes do jogo anterior: a Albânia não é o favorito para ganhar o Mundial, mas é favorito para nos pôr fora do Mundial.

A mentira com que nos habituámos a viver é um desastre educativo. Andamos anos a dizer às crianças que é importante não mentir e depois elas descobrem que passamos a vida a manipular a verdade. Se ‘bread’ é pão e ‘cheese’ é queijo, como explicar-lhes que ‘bred & cheese’ significa sanduíche de caviar? Da mesma forma, se ‘goal’ é golo e ‘average’ é média, nunca, em boa verdade, ‘goal-average’ pode ser ‘diferença de golos, como foi dito quando o Belenenses reclamou a permanência na Taça da Liga em vez do Guimarães.

Esta é a prova mais acabada de que vivemos na ilusão. Não interessa o que é, o que interessa é o que convém, ainda que tal não passe de uma aparência ilusória. A partir daqui tudo é possível e admissível, desde que alguém goste de ver. E geralmente sempre há quem goste. Se a decisão coubesse aos adeptos – noticiava um jornal na altura – o Belenenses não teria (tal como aconteceu) qualquer hipótese de chegar às meias-finais da Taça Liga. É que na opinião da maioria dos inquiridos no estudo de opinião, feito pela Eurosondagem, a expressão goal-average significa o "resultado dos golos marcados subtraídos pelos golos sofridos", tal como defendeu a Liga de Clubes. Perfeito! 2 + 2 não são 4, será o que ditar o resultado da sondagem.

E o problema é esse mesmo. O problema é que há muita gente em Portugal que gosta de ver o que não é, para se esquecer do que é. Repito: a culpa não é dos jornais nem dos dirigentes. A culpa é dos leitores dos jornais e dos adeptos dos clubes, que são quem determina o que os dirigentes e os jornais fazem. O problema é que para muitos portugueses as ilusões são mais importantes que a verdade. Se na economia, gostamos de acreditar que é possível vender produtos que ninguém compra, ou criar empregos onde não há trabalho, no futebol, nada mais nos enleva do que a expressão «matematicamente possível».

Aliás, nada está mais longe das preocupações do adepto comum do que a verdade. Estou mesmo convencido que a maioria deles acha até que a verdade não existe. É por isso que não há discussão técnica possível sobre futebol, há debates. Debates onde está um de cada lado ou, de preferência, onde estão três, um do Porto, outro do Benfica e outro do Sporting. O que cada um deles diz, sabemos bem, não passa da sua opinião sectária e parcial. E, portanto, é mentira. Mas, para o adepto, o que interessa não é a verdade. O que interessa é a soma das mentiras todas. Cá para mim, o dia 1 de Abril devia ser o «dia do futebol português».

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