ANTES DE ABRIL, TESOURAS MIL
Por JMMA
Uma sexta-feira de 1965. Na madrugada desse dia, 26 de Fevereiro, saíra para as bancas mais uma edição do Mundo Desportivo. Vivia-se ainda a ressaca do encontro entre o Benfica e o Real Madrid, realizado na Luz, o primeiro entre as duas equipas ibéricas depois da final de Amesterdão (1962), que proporcionou ao clube português o segundo título consecutivo de campeão europeu.
Neste trissemanário desportivo, parceiro de A Bola e do Record também eles trissemanários, a vitória dos benfiquistas (5-1), em jornada dos quartos-de-final da Taça dos Campeões, merecia todo o espaço da primeira página e de outras interiores, e a crónica do jogo ostentava como título «O ‘Vale dos Caídos’ mudou-se para Lisboa». Na abertura do texto podia ler-se (transcrição de uma antiga publicação do Diário de Notícias que conservo em meu poder): «Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão-pouco a de Valverde (…) Mas foi bonito assistir-se à vitória do futebol Benfica sobre o do Real Madrid». Uma referência histórica que desagradou a nuestros hermanos, nomeadamente no que respeita à associação com o monumento que, nos arredores de Madrid, glorificava os mortos franquistas da Guerra Civil de Espanha.
Naquela sexta-feira, segundo reza a mesma crónica, as chancelarias dos dois países agitaram-se, os protestos choveram em Portugal por via diplomática, e o Governo de Salazar teve de encontrar uma reparação em defesa da harmonia ibérica: imediatamente, e sem qualquer explicação, o Mundo Desportivo deixou de aparecer nas bancas.
O caso do Mundo Desportivo surge como paradigmático das concessões efectuadas pela censura que não se apercebeu a tempo de evitar o «título maldito». Poder-se-á dizer que os jornalistas desta área tinham maior capacidade de manobra do que os outros e a imprensa da especialidade, a partir do momento em que se multiplicaram os confrontos no estrangeiro, dispôs da possibilidade de revelar pormenores das sociedades além-fronteiras até então inacessíveis à maioria dos portugueses.
Mas este facto não livrou os autores da punição administrativa. O jornal, suspenso por oito dias, só reapareceu à venda a 5 de Março. E nessa edição, também na primeira página, a ‘face’ do trissemanário era salva com o seguinte texto: «A Empresa Nacional de Publicidade e o Mundo Desportivo lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e que muito feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida crónica, chefe de redacção do Mundo Desportivo, único e total responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o caso requeria». Foi demitido.
Vem este caso a propósito, evidentemente, da data que hoje se celebra. Data que sinaliza a ruptura com esse passado cadavérico, opressivo e castrador. Felizmente, muitos não conseguem nem imaginar como era viver num país privado das liberdades fundamentais. Tão-pouco a parte dos 5-1 ao Real Madrid – infelizmente!
Por JMMA
Uma sexta-feira de 1965. Na madrugada desse dia, 26 de Fevereiro, saíra para as bancas mais uma edição do Mundo Desportivo. Vivia-se ainda a ressaca do encontro entre o Benfica e o Real Madrid, realizado na Luz, o primeiro entre as duas equipas ibéricas depois da final de Amesterdão (1962), que proporcionou ao clube português o segundo título consecutivo de campeão europeu.
Neste trissemanário desportivo, parceiro de A Bola e do Record também eles trissemanários, a vitória dos benfiquistas (5-1), em jornada dos quartos-de-final da Taça dos Campeões, merecia todo o espaço da primeira página e de outras interiores, e a crónica do jogo ostentava como título «O ‘Vale dos Caídos’ mudou-se para Lisboa». Na abertura do texto podia ler-se (transcrição de uma antiga publicação do Diário de Notícias que conservo em meu poder): «Não foi realmente a batalha de Aljubarrota. Nem tão-pouco a de Valverde (…) Mas foi bonito assistir-se à vitória do futebol Benfica sobre o do Real Madrid». Uma referência histórica que desagradou a nuestros hermanos, nomeadamente no que respeita à associação com o monumento que, nos arredores de Madrid, glorificava os mortos franquistas da Guerra Civil de Espanha.
Naquela sexta-feira, segundo reza a mesma crónica, as chancelarias dos dois países agitaram-se, os protestos choveram em Portugal por via diplomática, e o Governo de Salazar teve de encontrar uma reparação em defesa da harmonia ibérica: imediatamente, e sem qualquer explicação, o Mundo Desportivo deixou de aparecer nas bancas.
O caso do Mundo Desportivo surge como paradigmático das concessões efectuadas pela censura que não se apercebeu a tempo de evitar o «título maldito». Poder-se-á dizer que os jornalistas desta área tinham maior capacidade de manobra do que os outros e a imprensa da especialidade, a partir do momento em que se multiplicaram os confrontos no estrangeiro, dispôs da possibilidade de revelar pormenores das sociedades além-fronteiras até então inacessíveis à maioria dos portugueses.
Mas este facto não livrou os autores da punição administrativa. O jornal, suspenso por oito dias, só reapareceu à venda a 5 de Março. E nessa edição, também na primeira página, a ‘face’ do trissemanário era salva com o seguinte texto: «A Empresa Nacional de Publicidade e o Mundo Desportivo lamentam e repudiam as expressões contidas numa crónica inserida neste jornal e que muito feriram a sensibilidade dos seus leitores. Ao autor da referida crónica, chefe de redacção do Mundo Desportivo, único e total responsável pelo escrito que veio a público, foram aplicadas as sanções que o caso requeria». Foi demitido.
Vem este caso a propósito, evidentemente, da data que hoje se celebra. Data que sinaliza a ruptura com esse passado cadavérico, opressivo e castrador. Felizmente, muitos não conseguem nem imaginar como era viver num país privado das liberdades fundamentais. Tão-pouco a parte dos 5-1 ao Real Madrid – infelizmente!
Muito, muito interessante...
ResponderEliminarJá tinha ouvido falar dessa parangona e respectiva polémica, mas nunca tinha procurado informação de qual o seu contexto histórico.
Valeu!