quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Colunista convidado por JMMA

MAL DA BOLA

Hoje fui ao médico. Ele disse que eu não tinha nada e eu enervei-me logo por me sentir enganado. O que eu tenho ninguém dá por isso. Mas a situação é grave. Basta olhar. Se aguento os noticiários e os debates desportivos porque é que não suporto ver a minha tromba no espelho? Porque é que desde que o Benfica se estendeu ao comprido no Bessa não tolero os chocos com tinta?

É um sufoco. Para mim é evidente que estou mal da bola. Vejo chuva de baixo para cima, vejo gelo em chamas, vejo copos tapados dos dois lados, vejo garfos de sopa, vejo furos por fazer. Se adormeço, os pesadelos são em catadupa. Vejo Dragões com uma ‘ganda’ garganta, a comer Estrelas em pleno estádio da Luz. Vejo Leões travestidos de vaca leiteira, armados em rei da selva. Vejo panteras negras, um tabuleiro de xadrez, e uma tarja enorme que diz «as pretas jogam e ganham».

É horrível! Vejo galos anões que falam que nem papagaios. Vejo o Cristo Rei protector, virado para Belém, piscar o olho cúmplice ao menino (como ao borracho) que pôs deus a mão por baixo. Vejo jornalistas a destapar uma caverna dando à luz os vultos medonhos de Ali Babá e os 40 árbitros.

É tenebroso! Já consultei os bruxos de Vilar de Perdizes. Dizem-me que para suportar o insuportável é preciso é delirar.

Delirar. Ir para fora cá dentro. Lavar as mãos sem as molhar. Partir para Gaia ficando no Porto. Sonhar com a gasolina barata. Passear aos domingos no shopping de fato de treino e ténis e julgar-me o Obikwelo. Sacar as barbas ao irmão do Pinto da Costa e oferecê-las ao major para as pôr de molho. Acreditar que a lama que conspurca a Liga e o seu Presidente não passa senão duma conspiração idiota (como é que o idiota teve cabeça para inventar aquilo tudo é que fica por explicar, mas enfim é preciso é delirar).

Delirar é também fingir que se percebe. Por exemplo, contra o Gil, a Federação arroga-se o exclusivo da justiça desportiva. Mas na salganhada do «apito dourado» limita-se a assobiar para o lado, dizendo que é com os tribunais. Faz sentido. Em Itália não foi assim, mas faz sentido. Outra das mesmas: Temos políticos que na 2ª-Feira rejeitam as «intromissões» da FIFA, na 3ª reconhecem que o roubo no futebol é constitucional, e na 4ª prometem «amanhãs que cantam»: porque, agora sim, com a nova lei é que vai ser. Faz sentido. Claro que faz sentido. Que bom é delirar!

Delirar é preciso. Pensar não é. Entretenhamo-nos, pois, a ver os debates televisivos. Para quem está de trombas como eu, é um bálsamo ver aquela gente falar. O futebol é como o sexo. O bom de falar dele é que uma pessoa nunca se cansa. Pode cansar-se de fazer, mas de falar não. Dá muito menos trabalho, não é preciso saber e não requer preparação física.

(Nota íntima: Vamos ver no próximo fim-de-semana como é que o meu Benfica se vai safar em Paços de Ferreira (a capital do móvel «feito à mão», como dizem os lagartos). Creio que isso vai ser decisivo para a minha cura. Ou então, para a minha ruína. Por sim por não já procurei saber onde fica exactamente o buraco do ozono. Para quê? Para me enfiar lá dentro se o Benfica encostar. Lagarto, lagarto, lagarto!)

2 comentários:

  1. Simplesmente espectacular!

    para continuarmos a delirar, aqui vai uma boa ajuda....

    http://video.google.com/videoplay?docid=5159726609220417784&pr=goog-sl



    Saudações

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  2. Muito bem escrito, sim senhor. Parabéns.

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