terça-feira, 28 de julho de 2009

Miguel Sousa Tavares Dixit na Abola


Bem sei que não é a sua excelência, professor, gajo que muda de convicções ao sabor dos tachos e Dr. Freitas do Amaral, mas que gosto dos seus artigos, lá isso gosto:


"GRAÇA ROSENDO vem da escola do jornalismo de investigação do extinto «Independente» (o bom, porque também houve o mau), o que quer dizer que não é propriamente uma menina recém-chegada ao jornalismo, disposta a escrever qualquer coisa que o director lhe diga que faz vender jornais. Assim, a peça que ela escreveu no penúltimo número do «Sol», sobre as dívidas do Benfica à Euroárea decorrentes da construção do centro de treinos do Seixal, é história que merece ser analisada mais de perto. Aliás, o artigo que logo se seguiu sobre o assunto, aqui, na «Bola», e a reacção do porta-voz da Luz, demonstraram bem que o tema gera bastante desconforto.Desde logo, salta à vista o facto de, no conjunto de uma dívida cujo total chega aos 24,5 milhões de euros, o Benfica ter já falhado a primeira prestação, de apenas 2,5 milhões, titulada por uma letra de que é avalista. E se falhou o pagamento desses 2,5 milhões, como honrará, em Setembro, o pagamento dessa quantia mais os 22 milhões que então se vencem?


A segunda coisa que não pode deixar de preocupar alguns benfiquistas é pensar que esses 24,5 milhões representam o dobro daquilo que efectivamente era devido, mas que a falta de cumprimento contratual por parte do clube fez accionar a cláusula penal do contrato — a qual previa exactamente a duplicação do montante em dívida. E também deve dar que pensar que esses 24,5 milhões representem exactamente aquilo que o clube já gastou em contratações para a próxima época e representem também o total do orçamento do futebol para a época agora iniciada — e de onde tal dívida não consta orçamentada.


Mas isso são preocupações dos sócios benfiquistas, se as quiserem ter. E a verdade é que os sócios benfiquistas, que votaram maciçamente em Luís Filipe Viera há poucas semanas, ouviram-no dizer na campanha eleitoral que não lhe falassem do défice, se queriam ter uma equipa de futebol competitiva. E há poucos dias, os sócios benfiquistas desertaram também maciçamente a Assembleia Geral onde as contas e o orçamento do próximo ano foram aprovados. A mim, as dívidas do Benfica não me interessam nem me ocupam — excepto se, como também se pode inferir da notícia de o «Sol», elas vierem a ser cobertas, no todo ou em parte, pela Caixa Geral de Depósitos, porque aí já são os dinheiros públicos que entram em cena e julgaria inaceitável que o banco do Estado andasse a financiar um clube que, em lugar de pagar dívidas, compra jogadores. Mas, tirando essa situação, o que me preocupa, e tem ocupado aqui bastas vezes, são as contas e as compras do FC Porto.


Porém, se venho a este tema, é porque há, na peça da Graça Rosendo, uma parte que me fez disparar uma campainha de alarme. Como é que a direcção da SAD do Benfica, presidida então, como agora, por Vieira, se propôs pagar à Euroárea os custos da compra do terreno e construção do centro do Seixal? Em dinheiro, em partilha de receitas, em direitos de exploração? Não: propôs-se pagar em forma de tráfico de influências politicas. É isso mesmo que se infere do contrato assinado entre ambas as partes. O Benfica propôs à Euroárea cumprir a sua parte do contrato obtendo da CML a autorização para mais 1 800 metros quadrados de construção a favor da Euroárea na urbanização dos terrenos da Luz, e obter da CM Seixal idêntica licença para ampliação em 30 000 metros quadrados da urbanização na Quinta da Trindade, no Seixal, de que esta empresa é proprietária.


Ou seja: o Benfica propôs-se servir de intermediário da Euroárea e junto das edilidades de Lisboa e do Seixal, a favor dos interesses da empresa. E se o fez, e se a Euroárea o aceitou, é logicamente porque a empresa concluiu que, por si só, não conseguiria convencer as autarquias a reverem e revogarem os planos municipais já aprovados. A Euroárea reconheceu não ter força de influência politica para o conseguir; mas reconheceu também que o Benfica a tinha. E foi com este pressuposto que assinaram o contrato. Estamos perante um chocante caso de tráfico de influências, feito por um clube de futebol a favor de uma empresa privada e no interesses de ambos. A força da «marca Benfica», como costumam dizer, é de tal ordem, que a direcção presidida por Luís Filipe Viera não hesita em assinar contratos onde se compromete a obter de autarquias regimes de excepção a favor de terceiros!


Em tempos, e perante o silêncio geral, expus aqui detalhadamente o que foram os extraordinários contratos de favor celebrados entre Benfica e Sporting, por um lado, e a CML, então presidida por Santana Lopes, por outro, e que permitiram a construção dos novos Estádios da Luz e Alvalade XXI. Já lá vão cinco anos e recordo apenas que, entre várias facilidades de construção excepcionais e outras alcavalas, a CML (eternamente arruinada) deu, literalmente dado e em «cash», 15 milhões de euros a cada clube. O contrato era de tal forma impressionante que a última cláusula estabelecia (ó santa inocência!) que nos próximos dez anos nenhum dos dois clubes teria mais o que quer que fosse da CML.


O Sporting conseguiu recentemente que um tribunal arbitral, aceite pela CML, lhe outorgasse mais uns direitos de construção extra em terrenos tão próximos do estádio que basta olhar para a sua localização para perceber o regime de favor e excepção de que beneficiou. E o Benfica, pelos vistos, ainda se reserva o direito de obter o mesmo, directamente a favor de terceiro. E pensar que, depois do grande regabofe entre câmaras e clubes a pretexto do Euro-2004, o único «escândalo» que ocupou a imprensa e o Ministério Público foi a permuta de terrenos entre o FC Porto e a CMP! Ao menos o FC Porto, quando se abalançou à construção do Estádio do Dragão, era proprietário de 17 hectares de terrenos na zona, livres e disponíveis. Quantos tinham Benfica e Sporting?


VOLTANDO ao contrato entre Benfica e Euroárea, o que parece ter complicado a posição contratual do Benfica é que, por um lado, a CM Seixal ainda não outorgou a tempo o alvará a favor da Euroárea que o Benfica se comprometeu a obter, e a CM Lisboa levou a expansão da área de construção da Luz a votação camarária e o projecto não passou. Houve uma votação que terminou empatada 5-5 e o presidente e benfiquista António Costa fez uma prévia declaração prescindindo do seu voto de qualidade. O Benfica já juntou o inevitável parecer jurídico, sustentando que o presidente, quando vota, tem sempre voto de qualidade (e devo dizer que, juridicamente, também acho o mesmo). Mas, no mínimo, o que António Costa deveria ter feito era abster-se na votação, ou, melhor e mais normal, ter recusado liminarmente o projecto porque cidade alguma pode ser governada com decisões de excepção a favor de clubes de futebol que vivem eternamente acima dos meios normais de que dispõem. Chama-se a isso fomentar a concorrência desleal e chama-se a isso dispor de coisa pública em benefício de interesses particulares.


Depois não venham dizer que o futebol é um mundo à parte. Alguma coisa está podre quando um clube assina contratos em que se compromete a obter junto das autarquias autorizações de construção a favor de terceiros.

6 comentários:

  1. O FCP foi o único clube português que teve de BORLA, os terrenos para construçãodo centro de estágio (GAIA).

    Isso também não é concorrência desleal?

    Talvez se a Câmara Municipal do Porto, ou nesto caso de Gaia, tivesse a mesma benevolência com o Boavista, talvez a cidade do Porto, não se resumisse a um só clube.

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  2. Confesso que não domino na totalidade a matéria do centro de estágio do Porto.

    De qualquer maneira, julgo que nem os terrenos nem o próprio centro de estágio são do Porto, mas sim da Câmara de Gaia.

    Por isso, o Porto não teve de borla coisa nenhuma. Há aqui alguma diferença, não?

    Então sobre o assunto do MST, nada?

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  3. Eu gostei do artigo. Deixou-me bem disposto.

    É sempre engraçado ver adeptos de certos clubes apontarem o dedo :-)

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  4. Bem, só agora li o testamento.

    E fico sempre surpreendido com o facciosismo deste senhor.

    Em primeiro lugar, acho que nenhum clube grande se pode fazer de vítima, relativamente a favores ou se quiseres tráfico de influências nas Câmaras Municipais. E muito menos o FCP.

    Lembro-me bem, da Campanha política que Pinto da Costa fez contra Rui Rio, quando este prometeu deixar de favorecer o FCP, com terrenos e direitos de construção previligiados, quando fosse eleito.

    A "mama" era tão grande, que na altura até se aventou a possibilidade de Pinto da Costa concorrer contra Rui Rio.

    Depois, e sinceramente qual é o problema de um "player" com maior poder negocial (neste caso o Benfica) tentar obter direitos, para ceder a fornecedores? Se tudo for feito às claras (como parece ser), e dentro da legalidade (como parece ser), pergunto: e daí?

    Se MST está tão preocupado com dívidas, gostava que ele tb fizesse um artigo a explicar como é que o FCP tem um passivo semelhante a SCP e SLB. Se conseguisse, obviamente?

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  5. NOTA À MARGEM

    Recomendo (e com esta já é a terceira vez que o faço, desta vez, porém, dirigindo-me directamente ao Vitor) a leitura do parecer que o Prof. F. Amaral elaborou sobre a tramóia do CJ da Federação, no Verão passado.

    Não me refiro (nem nunca me referi) às qualidades pessoais ou políticas do autor. Não me interessam e, se isso ajudar o Vitor a perceber-me, posso garantir que eu e o prof. nunca navegámos nas mesmas águas. Tento é distinguir as coisas, isto é, as opções e preferências pessoais das qualidades profissionais. Um exemplo claríssimo: não é por ser sportinguista que Eduardo Barroso deixa de ser um conceituado cirurgião.

    Por isso repito a recomendação: Vítor, leia o parecer; fale sobre ele, questione-o. Enquanto não se der ao trabalho de o fazer como eu fiz, há-de compreender que é difícil sair da desconversa.

    Abraço

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  6. Quanto à matéria do artigo do MST (o único guru do futebol que neste blogue tem o privilégio de transcrições do tamanho da légua da Póvoa) só digo uma coisa (que estranhamente nunca ouvi a nenhum portista sobrer os seus próprios telhados de vidro:

    - Muito bem senhor MST ou senhora Graça Rosendo (já nem sei quem cita quem), muito bem: apurem-se os crimes, punam-se os culpados - na grelha se for o caso.

    E tenho dito.

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